Estupefacção!
Em toda a minha vida ouvi dizer que todo o homem tem um preço,
afirmação da qual não comungo e muito menos aceito. Não quer dizer que o povo,
na sua sabedoria, não tivesse razão para assim pensar, mas quero acreditar que
há pessoas que se regem por valores morais e éticos e que consideram que um
ladrão é tão ladrão por roubar um tostão, como por roubar um milhão. É o acto
que qualifica e não a quantia.
Vem isto a propósito da ordem do dia no País, corrupção,
prescrição, culpados, inocentes, juízes e procuradores do Ministério Público. Tenho
algumas informações e referências sobre um tal Zé Sapatilhas, que andou aqui
pela Covilhã e, ainda jovem, já fazia das suas e não eram bonitas. Filho de pai
com poder e com dinheiro, desde cedo, se julgou mais do que ninguém. Depois,
passeou-se por Coimbra onde conseguiu um diploma de bacharel em engenharia que
lhe deu logo acesso a um lugar na Câmara, como é óbvio por influência e não por
concurso público, como deveria ser. Quando já era detentor de muito poder, conseguiu,
numa universidade manhosa, um canudo de engenheiro, através de um exame
efectuado ao domingo, avaliado por um professor amigo e conivente. Canudo que
nunca foi reconhecido pela Ordem dos Engenheiros, logo vale zero, se precisar
de o utilizar para comer, com o esforço do seu trabalho. Mas não precisa de
trabalhar porque os milhões que lhe passaram pela carteira dão-lhe o conforto
de não necessitar de trabalhar. Entretanto tinha assinado uns projectos
esquisitos, aprovados por técnicos incapazes, mas detentores de poder, lá para
os lados da Guarda. Muitos outros episódios lhe são imputados e são do
conhecimento público através da Comunicação Social e, por isso, não vale a pena
repeti-los.
Foi, este sujeito, preso e acusado de dezenas de crimes por
se ter apropriado, indevidamente, de milhões de euros. Agora há um juiz que diz
que o dito sujeito é corrupto, mas que o crime prescreveu e eu fico
estupefacto. Então o roubo deixa de ser roubo se se deixar passar algum tempo
sem que se descubra ou seja punido pela justiça? Então um ladrão que consegue
esconder o produto do seu roubo, e só pelo facto de saber esconder bem o
produto de tudo aquilo que roubou, não é punido pela Justiça dos homens? Então
um gatuno, só porque roubou muitos milhões e com eles pode pagar a advogados
que conhecem os buracos negros da lei - eventualmente, até fazem parte de
escritórios a quem pagaram para a elaborar, quando deveria ter sido gizada por
juristas competentes e ao ser da causa pública e não dos interesses de uns,
poucos - deixa de ser considerado gatuno só por isso, enquanto outro cidadão
que rouba um pão no supermercado vai preso? Roubar e não ser apanhado passa a
ser virtude?
Então e um juiz, que tem o dever de julgar com justiça e é
pago principescamente, para isso, considerando o ordenado médio nacional, tem
poder para branquear crimes e não lhe acontece nada?
Será que é lícito a um juiz valorar o testemunho de companheiros
e amigos do arguido e desprezar o testemunho de um interveniente no processo
que teve conhecimento causal e até participou nos esquemas de corrupção, sem
que nada aconteça? Isto é um Estado de Direito ou é uma pocilga?
Sabemos que tudo o que aconteceu na passada sexta-feira não é
o fim de nada e até é, nas próprias palavras do visado, o princípio de tudo,
mas perante um povo tão sofredor, com bolsas de pobreza inimagináveis, com fome
a grassar pelo país fora, muito por culpa desta corja de ladrões, ainda que com
a desculpa da pandemia, um cidadão que paute a sua vida pela honestidade pode
sentir-se confortável? Não se sentirá incomodado? Não terá de se revoltar?
Dir-se-á que o povo já se revoltou e a prova disso é que anda
para aí uma petição, com muitas milhares de assinaturas, para afastar o juiz da
magistratura, mas isso vai valer de alguma coisa? O Poder judicial supremo é
que tem a competência para tal e a petição é dirigida a um órgão sem a competência
devida, como poderá ter efeitos práticos?
Não deveria haver um sobressalto cívico, vastíssimo, de toda
a sociedade honesta que não se revê nestes esquemas e nesta sordidez, para que
o Poder encarasse o enriquecimento ilícito, seja de quem for e pudesse merecer
a dedicação urgente à legislação que impedisse que tal aconteça? Que tal
demonstrar já isso nas próximas eleições, não votando em quem esteja, mesmo que
seja só indiciado, de práticas contra a ética e contra a moral?
Diz-se com ênfase que todo o criminoso é inocente até
trânsito em julgado. No domínio jurídico pode ser assim e, só por isso, o
direito já não é direito, penso eu, mas, para mim um criminoso é aquele que
comete um crime, independentemente de ser apanhado, ou não, pelas malhas da
justiça.
Ontem já era tarde, mas vamos acreditar que ainda há gente de
bom senso, de bom carácter e que tudo fará para legislar para que casos destes
não se repitam. Alguma coisa tem de ser feita.
12/04/2021
Zé Rainho
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