O EMBUSTE!
Em contacto com pessoas muito respeitáveis, pelos valores
éticos e morais que defendem e praticam, vim a saber de viva-voz, que o
descontentamento dos trabalhadores da saúde, que prestam serviço no SNS, é
total e cada vez mais gritante.
É a falta de condições de trabalho. É a falta de recursos
humanos e materiais. É a falta de perspectivas de vida e de carreira. É a
miserável remuneração do pessoal mais qualificado, médicos, enfermeiros,
técnicos superiores.
A situação é tão grave que um médico a caminho da exaustão
total, por exemplo, se vê na necessidade de pedir desculpa aos doentes, pelas
horas de espera que se viram obrigados a ter, porque o médico, especialista, é
o único da sua especialidade e tem de dar resposta a cirurgias, internamentos,
consultas externas de diagnóstico e de manutenção. Para cúmulo esse médico tem
uma remuneração de 2.300€, por mês, com um horário de 40 horas semanais.
Alguns virão já dizer que, em contrapartida, há outros
médicos que não fazem nada no SNS, para depois poderem ganhar muito dinheiro na
medicina privada, particular ou em Clínicas ou Hospitais privados, onde aí dão
o litro para cumprir objectivos. Até podem ter razão, mas, enquanto houver
situações como as que acima referi o que é que querem? Então a motivação não é
meio caminho para a eficiência? Então a remuneração não faz parte dessa
motivação? Então o descanso não é fundamental para repor energias para um
desempenho mais eficaz?
Se as respostas às perguntas for sim, e parece-me que ninguém
de boa-fé possa dar outra, o que é que fazem os dirigentes a montante das
organizações? O que é que tem a dizer o primeiro-ministro, a ministra da saúde,
a Ordem dos médicos?
Não será altura de rever os critérios de acesso ao curso de
medicina onde, paralelamente, ou complementarmente às notas do ensino
secundário estejam testes vocacionais, valores éticos e morais, disponibilidade
total e sensibilidade fraternal para com quem sofre? Não será altura de acabar
com limitações à entrada nos cursos de medicina e esperar que a concorrência
faça a selecção natural de quem é competente e esforçado por oposição ao baldas?
Não será tempo de rever o estatuto remuneratório deste
pessoal, indispensável ao bem-estar da população e da qualidade de vida até ao
términus inevitável?
Francamente estou cada vez mais farto de ouvir demagogos,
populistas, a prometer-nos o céu e dar-nos o inferno. Já não posso ouvir os
coveiros do SNS, com suas propostas inexequíveis, armados nos seus mais
acérrimos defensores e, aqui incluo o Governo e o partido que o suporta, o
Bloco de Esquerda, o PCP, o Livre, o PAN e depois não se olha para o caos que
está instalado há anos e que só sobrevive à custa do esforço denodado dos seus
trabalhadores.
Ninguém vê que não é admissível que Hospitais não possam
aceitar doentes urgentes por doença ou acidente e fechem urgências de
diferentes especialidades? Como é que um doente com um AVC ou um ataque
cardíaco não pode ser atendido na Urgência de Leiria e tenha de ir para
Coimbra, ou do Seixal tenha de ir para Lisboa porque o Garcia de Orta não tem
médicos especialistas nas urgências?
E se desviamos o olhar para a periferia o problema é muito
mais grave e muito mais agudo. O que acontece no Hospital da Guarda que, tantas
vezes, tem de mandar doentes, que já se deslocaram de Almeida ou Pinhel, para o
Hospital de Viseu. Se descermos no mapa do país podemos ir até ao Algarve e
assistirmos a deslocação de doentes para Lisboa, porque Faro e Portimão não têm
resposta para casos de gravidade extrema.
E perante este verdadeiro cenário de terror a ministra da
saúde não bate com a porta quando o ministro das finanças não lhe dá os
recursos mínimos para que estas situações não acontecessem?
E o primeiro-ministro não tem vergonha de vir papaguear para
as câmaras de televisão com atoardas de aumentos de 20% nos salários nos
próximos quatro anos e na semana de trabalho de quatro dias?
Francamente, um país assim, não passa de uma caricatura se
comparado com países, verdadeiramente, evoluídos.
Na véspera do Dia de Portugal gostaria de escrever algo de
mais positivo, de mais motivador, mas a realidade sobrepõe-se aos desejos.
9/06/2022
Zé Rainho
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