Já falámos alguma coisa da nossa avó, mas seria imperdoável
não referir o papel das mulheres da nossa família de raiz, segunda geração. Nas
considerações que iremos produzir apenas vão constar percepções pessoais que,
se estiverem erradas, peço desde já desculpa às visadas.
Comecemos então pela mais velha, a Ti Joaquina. Foi uma
mulher que desempenhou todos os papéis que são possíveis desempenhar numa
família. Foi mãe, chefe de família, mãe e pai, decisora em última análise. Teve
um marido excepcional como ser humano, o Ti Manuel Augusto era uma jóia de
pessoa, mas quem ditava as leis naquela casa era ela, com o beneplácito do
marido e sem qualquer acrimónia.
Por ordem cronológica e, apesar de não vir da mesma raiz fez
parte integrante desta família, vem a minha mãe. Franzina, sempre muito doente,
apesar de ter um marido que, para o exterior, ser um durão ela é que dava os
dias santos lá em casa. Sempre se fez o que ela quis e a sua vontade prevaleceu
sempre sobre a vontade do meu pai. Tenho vários episódios que demonstram isso
mesmo, mas vou referir o mais significativo. O meu pai e o Ti Zé planearam ir
para a França nos finais da década de quarenta, inícios da década de cinquenta
do século passado. Iam a salto já se vê. Salazar não deixava ninguém emigrar
legalmente. Ainda andaram por terras de Espanha próximo de Cidudad Rodrigo.
Viram-se seguido pelos carabineiros e recearam as consequências. O Ti Zé foi o
primeiro a dizer para regressarem a casa para evitar a prisão, que era
inevitável se fossem apanhados. Falhada essa tentativa de emigração o Ti Zé vai
para Angola no ano de 1952 e, lá chegado, escreveu ao irmão para ir ter com
ele, sozinho, para preparar a ida da família no caso eu e a minha mãe. De
referir que o Ti Zé nessa altura ainda era solteiro. A minha mãe foi peremptória:
ou vamos todos ou não vai ninguém e não se vacilou um segundo. Decidiu-se que
íamos todos e assim foi.
A Ti Victória, era Maria Cerdeira de seu nome, mas, para
todos nós era a Ti Victória, fruto daqueles atropelos que já referimos quanto
ao registo das crianças. Veio mais tarde, casou por procuração com o Ti Zé e
quem a levou ao altar foi o Ti Chico. Era um doce, mas, enquanto jovem, muito
agarrada ao dinheiro e o Ti Zé, também com ar de duro, sempre lhe confiou toda
a gestão da casa. Tinha uma frase muito engraçada: uma vez que ela nunca
trabalhou fora de casa dizia com orgulho o Zé ganha-o, mas eu poupo-o. Foi
também uma boa mãe, boa esposa e tenho a certeza que fez o Ti Zé muito feliz,
criou duas filhas extraordinárias, a quem amava incondicionalmente, até se
começar a desenvolver a doença que a vitimou.
A Ti Isabel foi sempre a dona do pedaço. Muito amiga do Ti
Chico a quem amava, mas mandona. Foi uma boa esposa e muito boa mãe. O
Resultado é o Carlos que colheu o melhor dos dois progenitores. A bonomia do
pai e a garra da mãe. Entrou na família para fazer parte integrante dela.
A Ti Elisa é aquela mulher de armas. Ainda hoje entre nós,
com a bonita idade de quase 91 anos, sendo uma sofredora arranjou sempre forças
para lutar e progredir na vida. Na vida profissional atingiu o cargo de 1º
Oficial Administrativo da função pública, cargo a que muitos não almejavam,
tenda apenas a quarta classe. Na sua carreira profissional teve lugares de
muita relevância tanto na Administração como na Câmara Municipal e, com o seu
prestígio, ajudou muita gente, a começar pela família, a iniciar carreiras.
Nunca casou e, talvez por isso ou nem por isso, sempre se se dedicou aos
outros. A Eugénia, viveu em casa dela até se casar. A Ana Bela foi,
praticamente, criada por ela e o Luís, um pouco menos, mas também muito seu
protegido. Isto não quer dizer que ela não goste dos outros sobrinhos, pelo
contrário, mas foram as circunstâncias da vida que mais a aproximaram destes.
Eu, tenho a presunção de que sou um dos seus preferidos. Aliás eu tenho a
certeza de que tenho um lugar privilegiado no coração de todos os meus tios.
Fui encolado por todos. Andei à carapela de todos e cada um deles. Devo-lhes
muito e estou-lhes muito grato. A Ti Elisa ainda hoje é um exemplo para todos
nós.
A Tia Alice não é filha de sangue, mas era filha de coração.
Porque a infelicidade lhe bateu à porta demasiado cedo, perdeu os pais ainda na
infância foi recebida na casa dos avós por volta dos 14 anos, se não estou em
erro. Eu já me lembro. Tenho menos 6 anos que ela. Depois e, mais uma vez por
circunstâncias da vida casou com o Ti Quim e os laços familiares estreitaram-se
ainda mais. Constitui uma família onde, mais uma vez, ela é que dita as leis apesar
da pose do Ti Quim. E dita bem porque cria a harmonia num lar que dura há mais
de 65 anos. É também uma mulher de armas que conseguiu uma carreira sem
preparação prévia, mas com denodo e entusiasmo. Sendo uma mulher independente
sempre foi uma esposa, mãe de família.
A Ti Lurdes apareceu na nossa família de forma mais
inopinada. Natural de Lisboa foram os caminhos insondáveis que a aproximou do
Ti Tó. Foi a JOC o meio que os fez encontrar-se. Uma lutadora. Uma âncora para
o Ti Tó. Um incentivo para ele mesmo quando tinha que tratar meses a fio dos
três filhos sozinha, porque o tio vinha a Lisboa fazer exames para se
licenciar. A força de bloqueio aos desvarios do Ti Tó que sempre foi e é um
sonhador. Um homem excepcional de inteligência, sagacidade, mas demasiado
utópico. E é nessa utopia que sobressai a vontade e a tenacidade da Ti Lurdes
conseguindo o equilíbrio necessário a uma família feliz há 57 anos. Foi,
porventura, a que teve mais dificuldades de integração na família, mas, mesmo
assim, foi capaz de fazer da nossa a família dela.
Por fim a Tia Paulina. A mais alegre. A mais extrovertida.
Aquela a quem a vida deu a maior bofetada, mas, ainda assim, uma guerreira que
consegue encarar a vida da forma mais positiva que pode ter. Sempre foi um
pilar para a sua família. Sempre foi uma esposa, mãe e avó extraordinária. A
sua bonomia e acolhimento que dá aos outros é de uma generosidade fantástica. É
mais uma das grandes mulheres da nossa família, como todas, afinal.
20/10/2020
Zé Rainho
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