A vida destes dois jovens, oriundos
de uma aldeia do interior profundo, dum país a preto e branco, naquele mês de
Abril de 1963, sem saberem bem o porquê, deu a guinada que iria marcar o
futuro. Apesar de muito novos sabiam muito bem o que queriam para si e para a
família que iriam constituir.
Desde logo, porque não eram dados a
aventuras ou namoricos inconsequentes. Tinham no seu íntimo a nobreza de
carácter que não permite brincadeiras com os sentimentos mais nobres e mais
profundos do ser humano.
Desta feita foram estabelecendo a
relação de amizade que iria permitir dar o passo em frente para uma relação
mais comprometida entre um homem e uma mulher. Tal veio a oficializar-se em 4
de Agosto do mesmo ano, já depois da Teresinha ter efectuado os exames no Liceu
da sede do distrito.
Foram tempos idílicos de enamoramento
permanente.
Durante o dia acompanhava a Teresinha
mais as suas irmãs até ao campo para recolher frutas, legumes para consumo da
casa. Ia à fonte e aos poços – na época não se falava nem se sentia o fenómeno,
poluição – buscar água, já que ainda não havia água canalizada em casa. A
aldeia não dispunha de um sistema de saneamento básico.
À noite reunia-se a um grupo de
amigos para, além dos “comes e bebes” saíam umas cantorias e umas guitarradas.
Dormia depressa, o mesmo é dizer
pouco, como é próprio de quem está apaixonado. Lá diz o adágio popular: “duas
horas dorme o estudante; três o amante; quatro o pastor; cinco o almocreve;
seis quem tem a vida leve”... e, no caso, havia um amor abrasador, inquieto,
delirante.
O mundo não existia para além destes
seres que saboreavam com deleite o amor partilhado e, por isso, faziam planos.
As suas conversas eram, quase
sempre, a projecção do futuro. Com o presente bem consolidado olhavam para
futuro com alegria, ambição, esperança. Havia, porém, duas coisas que toldavam
essa antecipação da felicidade. A primeira era a reserva que o pai da Teresinha
tinha relativamente àquele namoro com a consequência, imediata, não a deixar
continuar a estudar. A segunda era a, cada vez mais próxima e eminente, ida
para a tropa do Rainho. Em tempo de guerra esse destino não deixava de trazer
angústia, principalmente, para quem ficava e deixava de saber o que se passava
com aqueles rapazes, a quem faltava vida e experiência para se confrontarem com
tantos perigos e outras vicissitudes.
A separação que se antecipava era
dolorosa e, por isso, era debatida entre os dois definindo estratégias que
minimizassem o sofrimento que tal iria acarretar.
Os vinte anos dos rapazes daquele
tempo era tempo de viragem e mudança de vida para quase todos. Inspecção
militar, que dava quase sempre como resultado “apurado para todo o serviço
militar” e ingresso no Serviço Militar Obrigatório que, na época, era muito
longo e penoso para todos.
Verdade se diga que, também, trazia
alguns benefícios no que respeita ao amadurecimento da personalidade,
apuramento de valores como ética, disciplina, amizade, solidariedade e um
sentimento de dever patriótico. Mas, em regra, trazia três ou quatro anos de
suspensão da vida pessoal e profissional, para a maioria dos jovens do sexo
masculino, da década de sessenta do século passado, para além do sacrifício, do
risco da própria vida, com morte ou invalidez para muitos.
As guerras nunca trouxeram nada de
bom, a não ser para os magnatas da armas ou para os que beneficiam da ruptura
social que qualquer guerra traz consigo. A guerra colonial como, erradamente,
muitos apelidam o conflito, foi a afirmação de uma nação que se queria una e
que era entendida, pela maioria da população como tal, foi uma luta pelo poder
de ideologias com pouco de confessável e muito menos de altruísta. Mobilizou
mais de um milhão de mancebos portugueses de cor, etnia e territórios diversos.
No caso vertente o Rainho passou
por todas as vicissitudes inerentes, com as angústias implícitas, os medos e as
incertezas conexas.
Ilustra o facto de ter ido a um
laboratório fotográfico tirar uma fotografia com seus pais pois, naturalmente,
estes queriam ter uma recordação em imagem se acontecesse alguma desgraça.
Para o Rainho a ida para a tropa,
assim se dizia corriqueiramente, fora encarada com a normalidade a que se vinha
mentalizando desde os seus dezasseis anos de idade. Porém, agudizou-se a
angústia pelo facto de se ver sozinho num ambiente diferente daquele em que
fora criado com o fardo da saudade do seu amor e da impossibilidade de lhe
escrever diariamente como estava habituado.
Na circunstância, esta mudança de
vida, fora tão dolorosa quanto a ausência da sua amada com a qual desejava ardentemente
contrair matrimónio o mais rapidamente possível a, tal ponto, que ainda durante
o tempo de cumprimento do Serviço Militar levou a cabo o seu intento, ainda que
fosse na fase final do mesmo. Casou-se em Setembro e passou à disponibilidade
no dia trinta e um de Março do ano seguinte.
Daqui se infere que, ainda que não
houvesse sofrimento físico, já que fora colocado num batalhão de armas de
serviço especial, transmissões de engenharia e, por essa circunstância, tenha
cumprido todo o tempo de militar na capital de Angola, Luanda, cidade sem
conflito e com uma qualidade de vida excepcional, já não se pode dizer o mesmo
do sofrimento emocional.
Como graduado que era, também
recebia um soldo que lhe permitia manter uma qualidade de vida acima da média dos
jovens do seu tempo.
Apesar de, passados muitos anos e
recordar a boa experiência que foi a vida militar, vista à distância, também
ressalta a ideia de que não se identificava com a vida militar. Foi convidado,
talvez seja mais rigoroso dizer-se, foi pressionado a remeter-se a uma nova
comissão com uma promoção imediata mas não era, de facto, aquilo que pretendia
para si e para a família que pretendia constituir, o mais rapidamente possível
e recusou, liminarmente, tal sugestão. Cumpriria se fosse obrigado. Dando um
passo que fosse para que tal acontecesse, jamais.
Assim, ainda antes de terminar o
tempo obrigatório resolveu casar-se. Não aguentava mais tempo longe do seu
amor.
Aos vinte e dois anos, quase a
completar os vinte e três, deu o passo que ambicionava dar desde os vinte e
contraiu matrimónio cristão, católico, com a mulher que sempre considerou ser a
única de toda a sua vida.
Sem comentários:
Enviar um comentário