A minha mulher quando acabou o
curso, Junho de 1971 foi para Luanda para concorrer a um lugar naquela cidade onde
eu adorava viver e ela nem tanto. Mas lá foi ela com a filha, já com quatro
anos de idade, para juntos dos meus pais e da maioria da minha família. Eu
fiquei porque, apesar de ter pedido imensas vezes para ser transferido para
Luanda o argumento de que fazia falta ao serviço pesou sempre para não ser
concedida.
Mas, ao fim de três meses depois da
minha mulher ter sido colocada em Luanda, porque podia requerer a transferência
ao abrigo da Lei dos Cônjuges, lá me transferiram para a sede em Luanda, Janeiro
de 1972.
Quando a minha mulher e a minha
filha foram para Luanda eu, para além de ter solicitado a transferência, mais
uma vez, comecei a procurar vagas noutros serviços em Luanda. Encontrei uma
vaga na Câmara Municipal onde o meu currículo se encaixava na perfeição e
concorri. Havia apenas uma vaga e dois concorrentes. O concurso para além do
currículo tinha uma prova escrita e uma prova oral. Perdoe-se-me a imodéstia
mas fiquei em primeiro lugar.
Como atrás se referiu, em Janeiro
fui transferido e voltei a ter uma vida familiar e profissional normal para o
meu padrão de vida mas, entretanto, chamaram-me para a Câmara onde as condições
de trabalho e o próprio vencimento eram substancialmente melhores.
Estávamos no início de 1972 e a
minha mulher tinha imensas saudades dos pais e das irmãs. Entretanto tinha
perdido uma das suas maiores referências, o seu avô materno sem que pudesse
despedir-se dele. Tudo razões para eu sentir que necessitava de fazer alguma
coisa para lhe proporcionar alegria e felicidade.
Começámos a equacionar a ida dela
mais da filha à metrópole para mostrar a menina aos pais, irmãs e demais
familiares. Era o seu primeiro ano de trabalho pelo que só tinha direito às
férias nos meses de Julho e Agosto, mais alguns dias de finais de Junho e
princípios de Setembro o que, bem-feitas as contas daria para aí uns três
meses. Não era muito mas já daria para colmatar a saudade acumulada durante
quase seis anos de ausência. É evidente que era necessário suportar todas as
despesas. Era também preciso o sacrifício familiar já que eu não poderia vir
tanto tempo porque, como funcionário do quadro, só tinha direito a um mês de
Férias por ano e, em última instância, poderia também pedir a licença graciosa
– seis meses – que era um privilégio obtido a cada cinco anos. Poderia utilizar
este privilégio mas não me dignificava. Acabara de entrar para aquele lugar na
Câmara Municipal faria pouco sentido solicitar logo a licença graciosa.
Decidimos que as viagens se fariam de avião, bastante mais caras do que em
navio, mas com um ganho de tempo de mais ou menos vinte dias.
Analisadas todas as prerrogativas
familiares conseguiu-se conciliar a viagem de navio para os meus pais, de
licença graciosa. Para a minha mulher, férias de três meses, não pagas. Para o
meu cunhado férias, de um mês e para mim o mesmo, pagas mas sem direito a
viagens. Combinámos então virem os meus pais e a minha mulher e filha logo em
Junho e eu e o meu cunhado apenas no mês de Agosto. Assim fizemos.
Foi um reencontro com as raízes,
muito aprazível e o rever da família muito gratificante.
Viviam-se os primeiros anos de
férias dos emigrantes que foram para a França a salto. Nos primeiros anos,
desde a primeira metade da década de sessenta, foi necessário arranjar
documentação legal, amealhar alguns Francos para transferir para Portugal e,
então, poder visitar as famílias que, na circunstância, eram a maioria das
pessoas que viviam na Meimoa.
Num daqueles momentos de lazer e em
conversa com o meu primo Joaquim Pina que fizera a tropa em Angola e passara
todo o tempo que pôde em nossa casa. A terminar duas semanas de férias na terra
concluímos que se fossemos a Paris conseguíamos comprar um carro em França que
permitiria aos meus pais percorrer a metrópole em visita sem grande
investimento e que depois poderia levar para Luanda e até ganhar algum
dinheiro.
Fomos experimentar. Eu e o meu pai
fomos com o meu primo de autocarro até Paris e, no dia seguinte à chegada à
cidade Luz, um deslumbramento para mim devido a muitos aspectos mas,
especialmente, aquele que mais me marcou, a venda pelos ardinas do jornal do
parido comunista francês à porta do Metro. Fiquei estupefacto. Em Portugal tal
era impensável. Quem se atrevesse seria imediatamente preso pela PIDE.
Era domingo. Metemo-nos no Metro e
fomos até Bicêtre arredores de Paris
onde decorria um mercado (feira) de automóveis usados de todas as qualidades e
feitio, de todas as marcas e dos mais variados preços, em plena avenida. Eram
muitos milhares. Vi um carro que me agradou, um fiat 124 que estava na moda por
um preço acessível. Feitas as contas da conversão da moeda, um Franco valia
cerca de cinco escudos, custava cerca de vinte e cinco contos. Começámos a
negociar e o dono do carro quis pô-lo a trabalhar para demonstrar o bom
funcionamento do motor já que o exterior, carroceria e chassis estavam impecáveis.
O motor não funcionou, no imediato, e o dono do carro disse-me: desculpa mas já
não te posso vender o carro porque não está em condições.
Fiquei de queixo caído com a
honestidade demonstrada. Nunca tinha assistido a tal forma de negociar em
Portugal onde, os negociantes, quase sempre procuravam enganar os compradores.
Deu-me alento esta atitude e percorri quase toda a avenida que tem alguns
quilómetros procurando o carro que me servisse. Não queria luxos mas também não
queria nenhuma sucata.
Cansados e já com algum desânimo
cerca das dezassete horas, deixei o mercado porque não encontrara mais nada que
me tivesse agradado e entre num stand
de ocasião quase no fim da avenida. Vi um Renault 16 em excelente estado de
aparência, último modelo da marca, com menos de um ano de serviço e com 20.000
km. Encantei-me pelo carro mas custava sessenta contos. Quantia muito elevada
para adquirir um carro que depois das férias seria para vender em Luanda já
que, tanto eu como o meu pai tínhamos carros novos comprados no ano anterior.
Pensámos no assunto, muito
rapidamente e decidimos que valia a pena o investimento. Apalavrámos o negócio
e ficámos de, no dia seguinte, segunda-feira, depois da abertura dos bancos,
fazer o câmbio e levantar o carro. Assim aconteceu e, por volta do meio-dia, já
tinha a documentação provisória na mão e seguro. Nessa altura até o meu pai era
novo e eu muito jovem pelo que, apesar da viagem de autocarro no sábado até
quase de madrugada, no calcorrear quilómetros a pé para adquirir o carro
durante o domingo, não meteu medo nenhum um regresso a Portugal.
Saímos de Paris sem um mapa,
qualquer tipo de indicação excepto a do meu primo que me disse mete-te no periferique e sai pela estrada nacional
dez. Não era altura de haver GPS ou qualquer outra tecnologia. Os mapas eram o
único meio de navegação por terras desconhecidas mas o tempo e a lembrança não
deu para adquirir um, pelo que ficámos reduzido à informação oral recebida.
Estou convencido que tudo correria
bem porque, apesar da velocidade obrigatória naquela via, sempre com o
helicóptero da polícia a incentivar à velocidade constante para tornar o
trânsito fluido, eu não tinha grandes problemas em conduzir porque já tinha
carta há cerca de dez anos e muitos quilómetros percorridos e conduzia desde os
catorze anos de idade, fora das povoações e com condutores familiares ao lado
mas, há sempre um mas, no percurso havia obras no periferique e era obrigatória a saída e, depois de um desvio, nova
entrada e tal foi fatal. Perdi-me. Depois de umas voltas estava num bairro que
ainda hoje não sei o seu nome mas vi que era residencial e, por isso, não seria
o percurso certo. Enquanto andava e pensava se devia ou não pedir a um taxista
que fosse à minha frente até entrar na estrada nacional dez passei junto de um
policia sinaleiro e encostei-me à peanha e pedi-lhe auxílio. Foi extremamente
simpático e deu-me indicações preciosas que eu segui à risca. Ia devagar pela
incerteza que me acometia e, pouco depois, encostaram-se a mim dois polícias de
viação e trânsito de moto dizendo-me que deveria aumentar a velocidade para não
empatar o trânsito. Respondi que não tinha a certeza se ia bem para a estrada
nacional dez que queria ir para Portugal ao que eles, delicadamente, me
disseram: segue-nos, nós vamos para lá. Rapidamente cheguei à estrada que
conduzia a Portugal e aí foi só pisar o pé do acelerador.
Uma aventura em terras
estrangeiras, com uma língua estudada apenas no liceu, com pouca prática, mas
mesmo assim deu para desenrascar. Estórias de vida.
Viajámos toda a tarde quase sem
parar até à fronteira com Espanha onde chegámos cerca das 4 da manhã.
Descansámos um pouco e metemo-nos de novo a caminho e às 14 horas de terça-feira
chegámos à Meimoa onde soubemos que a minha mulher, minha filha e minha mãe
tinham ido a Penamacor arranjar o cabelo pelo que deixei o meu pai em casa e
fui para Penamacor buscar os meus amores.
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