Estejam descansados, os meus amigos, que não vamos falar de
literatura, não é que esta não seja importante e necessária, nos dias que
correm, mas deixamos isso para os mais entendidos.
Este personagem, magistralmente descrita pelo nosso poeta
maior, Camões, aparece quase sempre associada a duas formas distintas de ser e
estar na vida, consoante o analista.
Para uns, o velho do restelo é um homem prudente, cheio de
sabedoria, cauteloso e, sobretudo, parcimonioso na forma de gastar dinheiros
públicos. Para outros, é o medricas, o cobarde, o receoso, o invejoso, o
conservador, aquele que fica na zona de conforto e que não tem o arrojo de partir
à aventura. Para nós é um misto das duas coisas.
Quando tanto se fala da necessidade de empreendedorismo, para
não ficarmos na cauda da Europa; quando tanto precisamos de Vascos da Gama, sem
descartarmos a prudência do Velho do Restelo há polémicas que não passam disso
mesmo, polémicas.
Cada vez mais precisamos de arrojo, de coragem, de determinação,
tudo metido numa dose q.b. prudencial, para que a aventura não se transforme em
descalabro, para que o empreendimento não seja ruinoso, para que o passo não
seja maior do que a perna.
Vem isto a propósito de um tema que vejo matraqueado, em tudo
o que é órgão de comunicação social e, profusa e hipocritamente difundido nas
redes sociais, sem consistência, sem conhecimento, sem profundidade e com uma
imensa dose de demagogia, a infra-estrutura onde será celebrada missa pelo Papa
Francisco nas Jornadas Mundiais da Juventude.
Numa altura de dificuldades económicas para o país, qualquer
desperdício de dinheiros públicos é uma afronta. Afronta, que deveria ser
sempre e todos os dias, independentemente do tempo e das circunstâncias.
Dinheiro público é dinheiro de todos nós e, enquanto houver uma criança com
fome, um sem abrigo, um doente sem assistência médico-hospitalar, não deveria
ser gasto um tostão em mais nada que não fosse a satisfação das necessidades
básicas de toda a população. Assim, não se deveriam fazer rotundas, jardins,
iluminações natalícias, passadiços e outras obras que, embora necessárias e
dignas de apreço, não são imprescindíveis à vida. O mesmo se pode dizer para a
infra-estrutura que irá receber um dos pontos altos de um evento de nível
mundial.
Mas então, se não temos condições económicas para levar a
cabo este tipo de eventos, para que é que nos candidatámos a receber o mesmo,
num local onde não temos infra-estruturas para que ele se realize, com
dignidade?
Então porque é que vimos em 2019, quando do anúncio da
localização das JMJ, assistimos aos saltos entusiásticos, de então presidente
da Câmara de Lisboa e hoje ministro das Finanças Fernando Medina, do Presidente
da República com a voz embargada a dizer “ganhámos” e do regozijo do Primeiro-ministro
em tudo o que era televisão?
Não percebendo nada de obras não me pronuncio sobre se é caro
ou barato o empreendimento que se está a desenvolver na zona ribeirinha do
Tejo, mas posso dizer por conhecimento factual, que a zona determinada e
escolhida para o evento era, até há bem poucos meses, um aterro de lixo que
ninguém queria ver perpetuado, a começar pelo presidente da Câmara de Loures e
por todos os lisboetas e não só, por todos os que amam o rio Tejo e a sua
envolvência. E foram as Jornadas Mundiais da Juventude, patrocinadas pelas mais
altas individualidades da Igreja Católica nacional e Internacional que produziu
já, mesmo antes de se realizar, este milagre de requalificação ambiental de uma
zona, lastimavelmente, degradada durante décadas.
Como já referi, não sei se é caro, se é barato, sei que, já
que assumimos o compromisso perante o mundo, temos o dever de sairmos com
dignidade deste empreendimento.
Sei, também, que todo o dinheiro que se gaste e dou de barato
que seja muito, será sempre uma gota de água no oceano dos milhões enterrados
na TAP, (3,2 Mil Milhões), na EFACEC (10 Milhões por mês), no BPN (mais de
6.000 milhões), no BES (mais de 5.000 milhões), no Novo Banco (3.000 milhões), nos
lesados do BES (2,7 mil milhões), no litígio que o Sá Fernandes promoveu e que
obrigou a Câmara de Lisboa a pagar, mais de trinta milhões, pelo boicote que
tentou fazer quando da construção do túnel do Marquês e outos similares, sem
retorno e sem desígnio. Pelo menos aqui, ganha o meio ambiente e a natureza, se
mais não for.
Mas porque não quero parecer o velho do restelo invejoso e me
quero parecer mais com o Vasco da Gama tenho de lembrar a controvérsia invejosa
sobre a EXPO 98 e o benefício que esta trouxe à cidade de Lisboa e ao país, o
Centro Cultural de Belém, que passou a ser a sala de visita das altas
individualidades recebidas, em visita de Estado, no nosso País, para referir
apenas algumas mais relevantes e mais recentes.
Porque a Igreja católica se rege por princípios cristãos de
humildade, solidariedade a rondar a pobreza material, é fácil atirar-lhe à
cara, hipócrita e farisaicamente, qualquer tipo de extravagância ou espavento,
esquecendo que, não fossem as religiões e particularmente a religião católica, nunca
nos poderíamos deleitar com a visão monumental e arquitectónica de uma Basílica
da Sagrada Família de Barcelona, ou de um Mosteiro da Batalha em Portugal, para
dar apenas dois exemplos.
Estamos metidos num processo, deixemos que ele se conclua e,
no fim, façamos a avaliação do custo-benefício, já que não fomos capazes de
antecipar custos quando pedimos ao Papa que nos concedesse a honra e a ventura
de termos entre nós milhões de jovens de todo o mundo que, em muitos casos, vêm
acompanhados de familiares.
Deixemos de ser velhos do restelo medricas, cobardes,
invejosos, sejamos arrojados e corajosos como foram os nossos intrépidos
marinheiros.
28/01/2023
Zé Rainho
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