BOTA CARDADA!
Provavelmente os mais novos não saberão o que significa a
expressão “bota cardada” e, por isso, impõe-se uma breve e sucinta explicação.
Noutros tempos, mais ou menos recuados, de penúria e miséria
das sociedades, em geral, até os militares eram calçados com botas, em cuja
sola eram pregadas cardas ou tachas metálicas, para aumentar o seu período de
duração. Logo, quando um conjunto de militares marchava nas ruas ou praças de
cidades, vilas ou aldeias, o ruído característico da marcha era, simultaneamente,
atractivo e aterrador. Até porque o militar, em regra, marcha armado.
Os políticos, de todas as épocas, uns mais do que outros,
como é bom de ver, sempre procuraram ter os militares sob o seu controlo e,
muitas vezes, procuraram manipulá-los para atingirem objectivos, muitas vezes
reprováveis. Nas ditaduras antigas foi assim. Nas ditaduras actuais é assim.
Basta olharmos para alguns países da Ásia, da América Latina, até da Eurásia
para constatarmos esta realidade.
Os militares regem-se por regras de disciplina muito rígidas,
dentro daquela lógica: manda quem pode, obedece quem deve, e esse factor
facilita a vida a governantes que, da democracia, têm uma ideia distorcida.
quando não ultrapassam as linhas e os limites ditatoriais. Foi toda a vida
assim. Hoje é assim em muitas latitudes.
O pretor romano era dono e senhor dos destinos dos seus
súbditos e deixou em muita gente os tiques pretorianos, do poder absoluto,
mesmo quando se vive em democracia. Há pessoas que têm, no seu íntimo, estes
tiques. Há governantes que não fogem a essa tentação e confundem,
deliberadamente, maioria absoluta com poder absoluto, próprio da idade média e,
por isso, não se preocupam com a ética republicana, nem com a transparência das
atitudes e mostram os seus tiques pretorianos de utilização da bota cardada
para impor a sua desmedida vontade.
Nos últimos dias temos assistido a tiques de bota cardada nas
nossas paragens e, também, pelo mundo fora.
Quando a comunicação social procura explicações e
clarificações de atitudes menos próprias, em vez de explicações recebe
desprezo. Quando alguns órgãos são silenciados ou condicionados a, apenas, noticiar
o que convém ao poder instituído. Quando no parlamento, os deputados questionam
os governantes e estes recusam dar explicações fica patente a imagem nítida, da
bota cardada. Quando, no parlamento, o partido maioritário impede que os
deputados das restantes bancadas peçam explicações a ministros e isso aconteça mais
de meia centena de vezes num ano legislativo, isso configura bota cardada e essas
atitudes não podem deixar de nos remeter para memórias não muito distantes de
outros tempos e as recordações não são de modo a deixarem-nos sossegados.
Todas as atitudes de bota cardada, não no sentido literal,
mas no sentido intuitivo, são preocupantes esperemos que não passem disso.
24/06/2023
Zé Rainho
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