INÉRCIA!
Atrás de tempo, tempo vem. Deixa andar que o tempo cura tudo.
Estas são as ideias que atravessaram e atravessam o pensamento português ao
longo dos tempos. Qualquer tipo de mudança leva uma eternidade e encontra sempre
muitos entraves, muitos obstáculos, a maior parte deles estapafúrdios.
Talvez seja a pacatez, deste povo de bandos costumes, alicerçada
na figura mítica dos “velhos do restelo” que Camões tão bem caracterizou, que
nos leva ao constante e permanente impasse.
Fomos os últimos da Europa a implementar a indústria. Fomos
os últimos da Europa a libertar as possessões do império português, além-mar. Fomos
os últimos, ou dos últimos, da Europa a adoptar o regime democrático. Somos os
últimos a ter uma ferrovia arcaica que limita as nossas deslocações à Europa
onde estamos inseridos. E por aí adiante. Poderíamos continuar a enumerar o
nosso ancestral atraso, que se vai agudizando a cada ano que passa,
deixando-nos na cauda do desenvolvimento e, cada vez mais, transformando-nos
num país periférico, para além de o sermos, de facto, geograficamente. Talvez
seja também pelo facto de sermos os descendentes dos que cá ficaram, como conta
a história do avô para o neto à sua pergunta: avô nós somos descendentes dos
corajosos e aventureiros marinheiros que deram novos mundos ao mundo? E o avô,
pesaroso, respondeu, não filho, nós somos os descendentes dos que cá ficaram.
Mas, pode ser também, uma questão de preguiça, física e
mental, que nos transforma nuns deserdados da sorte. Pode ser o laxismo da
nossa forma de estar nos diversos sectores da vida nacional, que vai da
educação à saúde, da justiça à segurança social, da economia à política, da
vida em comunidade e preocupação de todos para com todos.
Certamente haverá justificações que os sociólogos,
historiadores, psicólogos, politólogos e outros mestres das ciências sociais,
que serão capazes de apresentar, mas, para nós, é mesmo só o desleixo, a
impunidade, a corrupção e a falta de rigor e profissionalismo dos vários
agentes com responsabilidades na gestão da (rés)pública.
Vem esta conversa a propósito de muitas aleivosias que o país
atravessa, das quais destaco duas, que são muito significativas e caracterizam
bem o que acabámos de afirmar. A primeira é a pouca-vergonha e desfaçatez de
governantes e responsáveis pelo INEM que se viu sem a prestação de serviços de
helicópteros no dia 31 de Dezembro passado, porque, em devido tempo, não abriu
o concurso público indispensável. E agora vê-se compelido ao pagamento de
exorbitâncias, muitos milhões de euros em ajustes directos, para que a
população não fique completamente ao abandono, como está e como se verificou
ontem, com um homem que pediu socorro e não foi socorrido por falta de
ambulâncias e morreu. A segunda é a Lei eleitoral que nos rege há quase
cinquenta anos, meio século e não vejo nenhum partido, nenhum deputado, nenhum
agente político a alertar para a obsolescência da situação. Acresce a estas
anomalias a passividade popular. Ninguém se indigna. Ninguém se incomoda porque
estas coisas só acontecem aos outros. Egoísmo popular exacerbado e indiferença político-partidária.
Cumprindo a responsabilidade que nos cabe enquanto cidadão
gostaria de dizer a todos os Partidos que se vão apresentar a sufrágio
eleitoral que deveriam incluir nos seus programas uma alínea que,
expressamente, dissesse que uma das medidas que iria propor ao Parlamento
eleito, em 10 de Março de 2024 será a alteração à Lei eleitoral vigente, que
data de 1978. Que indicasse quais as alterações que propunha e, nomeadamente,
clarificasse a função e responsabilização do deputado perante o eleitor,
independentemente do Partido pelo qual foi eleito. Que todos os votos expressos
em urna tivessem igual valor, quer sejam dos grandes centros urbanos, mais
populosos, ou de pequenos aglomerados populacionais. Que não houvesse desperdício
de centenas de milhares de votos do interior desertificado e se aproveitem
poucas dezenas de milhar de votos de Lisboa para eleger um deputado.
Eu sei que é utopia e que pedir clareza, honestidade, transparência
e rigor é pedir muito a quem na política está habituado a promover o embuste, o
engano, a mistificação, mas não me peçam para ficar calado e não me impeçam de
sonhar com um país ambicioso, onde os jovens sintam futuro e os velhos sejam
reconhecidos como seus construtores e artífices.
Já agora e para terminar quero pedir aos meus concidadãos que
não deixem de ir votar. Que não se abstenham porque é uma vergonha fazê-lo,
tendo em conta que é um direito que nos foi negado durante muitos anos e pior,
é que se abstendo permitem que uma minoria governe o país e isso não é bom para
ninguém e muito menos para a democracia.
23/01/2024
Zé Rainho
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