quarta-feira, 9 de setembro de 2020

SE...

 Um texto que escrevi há alguns anos mas que julgo actual.

Se…

Num tempo em que a gramática da Língua Portuguesa se dividia em: morfologia, fonologia e sintaxe havia “orações” que se classificavam de formas tão diferentes quanto o contexto em que se inseriam e, por isso, se diziam ser: causais, condicionais, concessivas, finais, temporais, comparativas, copulativas, adversativas, disjuntivas, conclusivas, por exemplo. Desta forma a gente entendia-se falando, escrevendo, contando factos, histórias, aventuras. Hoje, para muitos, principalmente para os mais jovens, estas coisas são minudências sem nenhum, ou com pouco, interesse.

Apesar desta discrepância no tempo e no Conhecimento e da tão famosa TLEBS (Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário) já ser um “nado-morto” considerei ter algum interesse e quem sabe, para nos divertirmos, debitar para o papel algumas "orações", "frases", "ideias", como queiram, no modo condicional mas que eu queria ver alterado para outros modos mais apelativos, como presente, futuro, passado, por exemplo.

É que me inquieta este constante condicional que, em meu modesto entender, muitas vezes, não deixa de ser, de algum modo, uma desculpa, um álibi, para muitos acontecimentos  a que assistimos, este "se". Se tivesse acontecido isto? Se não fora aquilo? Se fosse aqueloutro? Se não fosse o outro?  De alguma forma são questões que, não resolvendo nada, não deixam de tornar a "alma" mais leve, a consciência menos pesada e, quiçá,  justificação para situações reais, concretas que desculpam, ou procuram mitigar alguns remorsos - talvez não remorsos - se calhar apenas arrependimentos.

O Tempo passado, vivido, experienciado, pelos academistas quase que nos obriga a reviver um passado recheado de "ses". Mas, sendo esta uma evidência, não poderá deixar que este condicional nos ofusque o presente, qual dia de nevoeiro intenso, onde não se vê um palmo à frente do nariz,  e não nos permita regressar a um presente que pode ser futuro e, mesmo que o não seja para usufruto próprio, possa vir a ser útil aos vindouros. Deixemos pois o condicional e passemos ao presente: eu quero!

Eu quero muitas coisas. Em primeiro lugar quero ser um cidadão livre de peias ou mordaças. Depois quero ter a liberdade de ouvir, olhar, ver e opinar em consciência, mesmo que essa opinião choque, polemize e traga para à ribalta o outro que, tal como eu, tem os mesmos direitos e, porventura, os mesmos anseios só que vistos com cores diferentes, mais vivas ou mais esbatidas, consoante a (de) formação ou o estado de espírito.

Por isso eu quero uma sociedade mais solidária e lutarei com todas as forças para que tal aconteça. Anseio o mesmo para esta Instituição que cada vez mais se vem afirmando como uma Organização plural, interventiva, social, educativa, promocional da velhice e das suas potencialidades.

Quero também que a Academia não seja abúlica nas questões "quentes" da sociedade mas tome parte no debate das questões relacionadas com a vida do todo Nacional e não só local ou Regional, de forma a, mesmo que a sua voz não ecoe junto dos corredores do Poder, se faça ouvir por entre os seus pares e muitos dos que, como nós, têm obrigação de legar aos descendentes um património cultural, afectivo, emocional e sentimental que seja a bússola que não erra o destino, porque é capaz de determinar o azimute certeiro. Quando se fala em bússola não se está a desprezar o GPS ou o Sistema de Informação Geográfica, tão em moda, nos nossos dias. Uma coisa não invalida a outra. Sermos capazes de compreender sistemas e utensílios artesanais e conjugá-los com altas e muito modernas tecnologias é uma das vantagens da idade, porque só esta dá lugar a um saber de experiência feito, que pode ser muito útil à Ciência e à Inovação.

Não me conformo, deste modo, com o condicional. Repito que quero o presente com visão e estratégia prospectiva com vista a um futuro diferente. Um futuro que não se refugie na frase batida de que "no meu tempo é que era" e siga em frente com a mesma força e vontade como se tivéssemos vinte anos, mas com o senso e a ponderação que só os anos passados são capazes de catalisar.

 Vamos lá então todos fazer força para passarmos do condicional para o presente, conjugar todos os verbos neste tempo mas, mais do que conjugá-los, pô-los em prática, com vista a um futuro mais risonho, mais sereno, mas, sobretudo mais auspicioso para o bem-estar da nossa criançada, juventude e, por que não, velhice.

Os Academistas Seniores, melhor do que ninguém sabem do que falo porque todos nós passámos por dificuldades mas vislumbrávamos um luz ao fundo do túnel. Hoje vemos muitos jovens sem esperança e isso não pode deixar ninguém indiferente. Um jovem desesperado é capaz de tudo: desde entrar por caminhos tortuosos até ao próprio suicídio. Uma sociedade que deixa os seus jovens sem esperança é uma sociedade doente e nós, pelo nosso exemplo e pelo nosso testemunho podemos ajudar. Tenho a certeza disso. Perdoem-me mas estou farto do "talvez", do "assim, assim". Quero ser assertivo e contundente. Quero ser afirmativo e inteiramente convicto. Todos temos de fazer a nossa parte. Eu vou, desde já, com este artigo, iniciar a minha.

 

Fevereiro de 07

José Rainho Caldeira

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