Não gostaria de escrever sobre tanta asneira, tamanha
insensatez, mas não posso calar a indignação perante tudo o que vejo e ouço
sobre o que se passa no país.
Todos, quase todos, sentimos na pele as dificuldades que o
país e o mundo atravessa e não precisávamos de ter de levar com a estupidez de
quem tem obrigação de nos servir, porque é para isso que lhes pagamos.
Enquanto os responsáveis não interiorizarem a sua própria
responsabilidade e a sua própria culpa, nunca teremos um país melhor, nem uma
vida mais feliz. Deixem-me reflectir convosco uma hipotética cena na vida de um
mau aluno.
Se um aluno tiver mau aproveitamento porque é relapso,
preguiçoso, desinteressado, quezilento, perturbador do ambiente em sala de aula
e os pais disserem que a culpa é do professor que não sabe ensinar, se o
próprio considerar que a escola não é para ele, porque o que ele gosta é de
bola, se a comunidade escolar entender que a culpa é do sistema e o miúdo é
apenas uma vítima desse sistema, com toda a certeza que este aluno nunca fará
as aprendizagens necessárias e suficientes para atingir os objectivos
pressupostos para quem frequenta um qualquer estabelecimento de ensino e
progrida na vida adulta e numa qualquer profissão.
Se, ao contrário, a culpa deixar de ser dos outros e passar a
ser assumida pelo próprio. Se se capacitar que os maus resultados são fruto do
seu desleixo e da sua preguiça e que isso traz consequências à sua vida, sejam
elas da parte dos pais, da parte dos professores e até da parte dos colegas,
então o menino(a) se não for desprovido de um mínimo de inteligência e
raciocínio chegará à conclusão que tem de mudar de vida. Tem de passar algumas
horas a estudar a matéria, tem de estar com mais atenção nas aulas. Tem de
perguntar e pedir ajuda para as suas dúvidas, certamente verá, mais cedo do que
tarde, que começa a ter sucesso escolar e social. Tem melhores notas. É mais
aceite pelos professores, recebe elogio dos pais e até os colegas o aceitam no
seu grupo por se ter tornado mais sociável.
Assim é na vida do dia-a-dia de cada um de nós. Assim devia
ser na vida dos governantes, por maioria de razões, devido à sua incomensurável
responsabilidade presente e futura, porque das suas decisões resultam
repercussões para toda a sociedade, por vezes por gerações.
Esta semana foi pródiga em manifestações do mau aluno, por
parte de governantes, que não assumem as suas responsabilidades e a sua culpa.
Comecemos, hierarquicamente, pela ministra com maior
responsabilidade, por ser a segunda na hierarquia governamental. Veio a
Manteigas dizer que o Conselho de Ministros vai aprovar medidas que vão deixar
a serra da estrela melhor do que estava. Se isto não fosse demagogia era, de
certeza, uma tontice. Então para quem perdeu tudo o que construiu numa vida,
mesmo que o afoguem com dinheiro, alguma coisa ficará como antes? Então as
memórias perdidas, o sofrimento e angústia sentida durante dias e noites
sucessivas, alguma vez serão ressarcidas? Então a visão de animais mortos, queimados,
para as pessoas que passaram toda a vida a tratá-los como se fossem da família,
algum dia se esvairá daquelas cabeças traumatizadas? Esta senhora não tem só
falta de sensibilidade tem, igualmente, uma elevada falta de bom senso.
Passemos para a outra tontice sobre o mesmo assunto, desta
vez a secretária de estado da protecção civil. Que não falhou nada no combate
ao incêndio. Que agora não é altura de investigar o que correu mal para que esta
tragédia se desenrolasse em cerca de dez dias. Negar à partida que houve falhas
é uma ofensa para quem sentiu na pele o atraso no envio dos meios necessários e
suficientes e se viu sozinho a lutar contra o monstro. Dizer que os meios
aéreos não puderam actuar no início do incêndio, por ser de noite, e depois não
envidar esforços para que esses meios chegassem ao romper da aurora e só
chegassem às quatro horas das tarde não é uma contradição, um disparate? Então
se não se investiga agora que está tudo fresco na memória das pessoas e há
vestígios no terreno, quando é que se investiga? E que resultados espera quando
tudo se tiver alterado, esquecimento e vestígios? Que, segundo o algoritmo em
que se baseia já devia ter ardido mais trinta por cento do que ardeu. Que,
afinal, esta tragédia não foi nada do que podia ser? O que é que esta senhora
anda a fazer? Para que serve?
Mas não podemos acabar sem referirmos os dados da mortalidade
infantil e da mortalidade em geral, que teve um aumento exponencial. Então não
é da responsabilidade de ninguém? Ou é das crianças e das pessoas que quiseram
por termo à vida? E das grávidas que tiveram de andar quilómetros para serem
assistidas nos seus partos, como foi o caso daquela jovem mãe residente no
seixal, que só pôde ser assistida cinco horas depois e andou a ser transportada
de um lado para o outro indo parar às Caldas da Rainha a 150 quilómetros de
distância. Não há responsáveis? Não há culpa? Ou será culpa da própria que se
lembrou de gerar um filho? Há culpados e estes foram todos os ministros da
saúde e primeiros-ministros da década de oitenta do século passado, que não deixaram
formar mais médicos, segundo a ministra da saúde. Se isto não é uma tontice e
um atirar de terra para os nossos olhos, só pode ser uma imoralidade.
As atoardas da ministra da agricultura sobre a seca e do
ministro do ambiente sobre o aumento da água também fazem parte deste rol, isto
para não falar na atitude do ministro das finanças e da troca de favores e da
promiscuidade entre o jornalismo e o estado socialista. São todos inocentes?
E o silêncio ensurdecedor do primeiro-ministro e do
presidente da república? Será que estes senhores foram eleitos por um povo que
depois da eleição deixou de contar seja para o que for e por isso nem sequer
dão a cara para confortar na desgraça que o país atravessa no campo da
segurança, da carestia de vida, dos incêndios, do caos no SNS e nem uma palavra,
uma atitude? Estão desaparecidos em combate?
Não assumir a responsabilidade e a culpa é não promover a
alteração comportamental e não melhorar no futuro. Assim são estes governantes
e assim não vamos lá.
25/08/2022
Zé Rainho
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