VOLUNTARISMO!
Voluntarismo, pode dizer-se,
que até pode ser uma ideia e uma forma bonita de olhar para os problemas, para
as questões e achar que isso é o suficiente para congregar vontades, angariar
recursos económicos e humanos, para que problemáticas sérias possam ser
resolvidas e tudo acabar em bem.
Porém, a vida mostra-nos todos
os dias, que de boas intenções está o inferno cheio e que os problemas só se
resolvem se se diagnosticarem, com rigor e precisão, as causas e, a partir do
diagnóstico avançar para a tarefa, quase sempre mais complicada do que parece,
à primeira vista, no sentido de, com todos os intervenientes, se desenvolva um
processo de resolução, que tem, necessariamente, de levar tempo, consumir
recursos e alimentar vontades e esperanças para a mudança.
Tudo isto requer mais
ponderação do que voluntarismo. Tudo isto necessita de análise, estratégia,
planeamento, recursos, sempre na perspectiva interrogativa, o quê? como? para
quê? com o quê? com quem? e para quem? entre outras variáveis. Porque quando não
há estratégia nem planeamento a probabilidade de não se atingirem os objectivos
previstos é exponencialmente maior e o fracasso adensar o problema em vez de o
resolver.
Há anos, Sua Excelência o
Senhor Presidente da República anunciou a sua missão de contribuir para a
erradicação dos sem abrigo de Lisboa e do Porto até ao ano de 2023, se não me
falha a memória. Temos consciência de que o Senhor Presidente não tem poder
decisório nem competências executivas. Mas tem poder de influência e, se este
não é suficiente, então não se comprometa, digo eu.
Estamos no final dessa meta e
lemos, com muita preocupação e angústia, no jornal Expresso de hoje que, nos
últimos quatro anos, a população sem abrigo aumentou 78% e atinge mais de dez
mil pessoas. A mesma notícia dá conta do desespero das Instituições caritativas
como a Vida e Paz e a Cáritas, entre outras, que todos os dias se vêem confrontadas
com necessidades básicas para as quais já não têm respostas e, perante este
drama, Sua Excelência remete para as condições de empobrecimento da população,
para os malefícios da pandemia e para as crises internacionais e, com o mesmo
voluntarismo, a erradicação desta chaga para finais de 2026.
Não sei se as causas referidas
são as verdadeiras ou, sequer, se são as reais, mas sei que uma frustração acarreta
e acrescenta sempre um problema ao problema. Sei também que quando não se
produz riqueza o normal é distribuir-se miséria. Tenho a convicção que a
existência de líderes e de governantes se justifica para antecipar soluções e
não para constatar problemas.
Acrescenta-se uma péssima
distribuição do produto nacional, uma vez que os ricos estão cada vez mais
ridos e os pobres cada vez são mais numerosos e mais pobres e isto não me
parece que tenha a ver com pandemias ou crises.
Enquanto isto se passa no
terreno discute-se no Parlamento, durante uma semana, a redacção de um texto
condenatório da violência no Médio Oriente. Uma semana! Seria necessário tanto
tempo?
Enquanto isto se passa o
Presidente do Parlamento e os Deputados do Chega entram numa discussão estéril,
mais ao estilo de taberna do que de debate parlamentar, sem substância, sem
conteúdo, apenas para tempo de antena de um e de outros. Será curial que tal
aconteça?
Enquanto se avoluma o problema
dos emigrantes que, legitimamente, procuram melhorar a sua condição de vida,
que nos seus locais de origem não vêem como possível. Se reconhece a
necessidade que o país tem de uma emigração jovem que possa desempenhar as
tarefas que a população local, envelhecida, não consegue efectuar e não se
cuida de recrutar, legalmente, essa emigração e se deixa entrar toda a gente
sem controle e sem condições de sobrevivência nem se orienta para os locais
onde há trabalho a fazer, onde há terras ao abandono, onde há casas devolutas,
onde a integração seria possível porque dispersa e não acantonada, os
responsáveis assobiam para o lado e esperam que tempo resolva as questões. O
tempo, como a vida demonstra à saciedade, não cura nada, mas avoluma muito a
dor.
Tenho para mim que este país,
já há uns anos, que deixou de o ser e mais parece uma caricatura, mas se
calhar, sou eu que sou um pessimista e um tolo que gosta de planeamento e de
rigor de execução.
20/10/2023
Zé Rainho
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