Decorria a segunda metade do século
XIX e os denominados partidos do rotativismo – Regenerador e Progressista – que
congregavam gente com valor lutavam, cada um à sua maneira e dentro da sua
ideologia, por uma Corte menos numerosa e, também, menos parasitária, luta que
se veio a revelar inglória, pelos vícios enraizados e pelas vicissitudes
próprias de regimes endeusados. Os Monarcas dos diferentes países, regiões e
épocas sempre foram considerados e, eles próprios se consideravam, eleitos de
Deus.
Enquanto isso, o Partido
Republicano, em embrião, onde pontificavam alguns intelectuais mas onde predominava
o Poder subterrâneo da Maçonaria, que numa ligação espúria e incompreensível,
com a Carbonária, desenvolviam acções de desestabilização do regime em Portugal.
Serviu, na circunstância, o
Ultimato Inglês que exigia a retirada de tropas do território que ligava as
colónias de Angola a Moçambique. Bom motivo para o Partido Republicano acusar o
Rei de inércia e permissividade e até de humilhação ao poder estrangeiro.
O País que trabalhava e produzia
via-se, a cada ano que passava, mais sobrecarregado de impostos e mais
espoliado dos seus haveres. Pontificava, igualmente, um desinteresse pela
educação das classes populares deixando estas numa posição muito próxima de
“servos da gleba”, da Idade Média.
O desenvolvimento do País não
arrancava e não se vislumbrava uma nesga de futuro consentâneo com as ambições
das classes trabalhadoras e produtivas.
Os Ingleses que, orgulhosos da sua
aliança com Portugal, a mais antiga da Europa, sempre nos ajudaram dando-nos “o
presunto desde que lhe déssemos o porco”, incrementaram a exploração do vinho
do Porto que, em regra, era exportado a troco de alguma maquinaria. Por que,
enquanto a Inglaterra tivera a sua Revolução Industrial logo no início do
século, tal revolução passou ao lado de Portugal tendo este se mantido como país
eminentemente agrícola.
Se estas “minudências” eram
sentidas e vividas nos grandes centros urbanos da época – Lisboa, Porto e
Coimbra – na chamada “província” labutava-se de Sol a Sol para angariar
sustento para as famílias, geralmente, numerosas e satisfazer as obrigações para
com o Estado, pagando a décima, as licenças e as taxas aplicadas à terra e à
respectiva produção, que era esse o pecúlio que sustentava a dita Corte
numerosa e parasitária, nas suas vaidades e no seu esbanjamento.
O fermento da insubordinação
estava, intrinsecamente, enraizado no povo trabalhador e sofredor,
maioritariamente o povo rural, dada a insipidez da indústria. Não havia uma
classe operária como nos países mais desenvolvidos do Norte da Europa nem
organizações sindicais que lutassem pela dignificação e valorização do
trabalho.
Por essa altura, finais do século,
numa aldeia perdida no interior deste país, quem tinha algumas propriedades
agrícolas eram considerados “proprietários” por oposição aos que não tinham
courelas que se denominavam “trabalhadores”. Porém, bem vistas as coisas,
trabalhadores eram todos e as diferenças esbatiam-se e resumiam-se à fartura ou
escassez de alimentos, conforme os casos.
O analfabetismo era a praga
endémica do País e só alguns privilegiados nascidos no Interior conseguiam a
frequência de uma escola, quase sempre menorizada, sem condições e com mestres
pouco conhecedores.
Daí a frequência de um curso
superior ser uma miragem, para a esmagadora maioria das crianças do sexo
masculino e, para o sexo feminino era utopia pensar na frequência escolar.
Por consequência, qualquer rapaz
com o exame do ensino primário elementar, era uma pessoa com estatuto
diferenciado, sendo mesmo escutado em demandas entre vizinhos e conhecidos.
Na época referida houve duas
famílias, uma mais dedicada a artífices e outra à agricultura, vizinhas e
amigas desde os tempos dos respectivos avós que tiveram dois rapazes que frequentarem a Escola e conseguiram, com óptimo aproveitamento, fazer o Exame
do Ensino Primário Elementar.
O filho dos artífices aspirava dar
continuidade à arte de seus pais, agora com mais conhecimentos, mais facilidade
nas contas e na feitura de cartas ou obtenção de licenças, quiçá elaborar
projectos que pouco mais eram do que cubos ou hexágonos desenhados em traço
simples, mas que mostravam as respectivas medições.
Era, por si só, uma ascensão social
aspirada, legítima e ambicionada por poucos. Só mesmo os espíritos mais abertos
é que tomavam a consciência da importância do saber ler, escrever e contar.
Desta feita aqui se demonstra que mesmo nas noites mais escuras pode apareceu
um raio de luz ainda que difuso.
O Filho do Proprietário – filho de
um segundo matrimónio – pois tanto o pai como a mãe era viúvos quando do enlace
matrimonial nasceu de uma mãe que já tinha dois rapazes, um com 16 e outro com
14 anos de idade, fruto do primeiro casamento. Porém, era filho único daquele
matrimónio já que o seu pai enviuvara sem ter filhos.
Os meios-irmãos, como vulgarmente
se diz, ainda que incorrectamente, pois irmãos são sempre de corpo inteiro,
eram ambos analfabetos, nunca frequentaram a escola e foram, desde cedo,
habituados aos trabalhos rurais como era prática comum naquele tempo.
Quando este bebé nasceu logo o pai,
homem abastado, lhe traçou o destino que era estudar para se tornar advogado.
Não era vulgar numa aldeia haver a
percepção da importância de um homem de leis já que as questões eram, em regra,
resolvidas pelos designados homens-bons. Porém, o agricultor abastado queria
que o seu filho fosse alguém para além da terra e dos trabalhos do campo.
Porventura por se ver espoliado por um Estado usurpador do esforço de quem
trabalha ou, por uma consciência política mais activa.
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