segunda-feira, 26 de junho de 2023

Bota cardada!

 

BOTA CARDADA!

Provavelmente os mais novos não saberão o que significa a expressão “bota cardada” e, por isso, impõe-se uma breve e sucinta explicação.

Noutros tempos, mais ou menos recuados, de penúria e miséria das sociedades, em geral, até os militares eram calçados com botas, em cuja sola eram pregadas cardas ou tachas metálicas, para aumentar o seu período de duração. Logo, quando um conjunto de militares marchava nas ruas ou praças de cidades, vilas ou aldeias, o ruído característico da marcha era, simultaneamente, atractivo e aterrador. Até porque o militar, em regra, marcha armado.

Os políticos, de todas as épocas, uns mais do que outros, como é bom de ver, sempre procuraram ter os militares sob o seu controlo e, muitas vezes, procuraram manipulá-los para atingirem objectivos, muitas vezes reprováveis. Nas ditaduras antigas foi assim. Nas ditaduras actuais é assim. Basta olharmos para alguns países da Ásia, da América Latina, até da Eurásia para constatarmos esta realidade.

Os militares regem-se por regras de disciplina muito rígidas, dentro daquela lógica: manda quem pode, obedece quem deve, e esse factor facilita a vida a governantes que, da democracia, têm uma ideia distorcida. quando não ultrapassam as linhas e os limites ditatoriais. Foi toda a vida assim. Hoje é assim em muitas latitudes.

O pretor romano era dono e senhor dos destinos dos seus súbditos e deixou em muita gente os tiques pretorianos, do poder absoluto, mesmo quando se vive em democracia. Há pessoas que têm, no seu íntimo, estes tiques. Há governantes que não fogem a essa tentação e confundem, deliberadamente, maioria absoluta com poder absoluto, próprio da idade média e, por isso, não se preocupam com a ética republicana, nem com a transparência das atitudes e mostram os seus tiques pretorianos de utilização da bota cardada para impor a sua desmedida vontade.

Nos últimos dias temos assistido a tiques de bota cardada nas nossas paragens e, também, pelo mundo fora.

Quando a comunicação social procura explicações e clarificações de atitudes menos próprias, em vez de explicações recebe desprezo. Quando alguns órgãos são silenciados ou condicionados a, apenas, noticiar o que convém ao poder instituído. Quando no parlamento, os deputados questionam os governantes e estes recusam dar explicações fica patente a imagem nítida, da bota cardada. Quando, no parlamento, o partido maioritário impede que os deputados das restantes bancadas peçam explicações a ministros e isso aconteça mais de meia centena de vezes num ano legislativo, isso configura bota cardada e essas atitudes não podem deixar de nos remeter para memórias não muito distantes de outros tempos e as recordações não são de modo a deixarem-nos sossegados.

Todas as atitudes de bota cardada, não no sentido literal, mas no sentido intuitivo, são preocupantes esperemos que não passem disso.

24/06/2023

 Zé Rainho