terça-feira, 31 de agosto de 2010

Amizade

Diz o povo que os amigos são para as ocasiões. Seja o que for que queira dizer "ocasiões" o sentido popular está implícito que sejam situações difíceis.
Há outro adágio aqui no meu recanto que diz "na dor e na boda é que vês quem te honra". Tudo isto me fez pensar no conceito de amizade e, mais do que no conceito na sua aplicação prática.
Os leitores mais assíduos já devem ter percebido, até porque já o manifestei, que sou um filho único com quase 67 anos de idade. E, ao contrário do que é vulgar dizer-se, nunca me senti frustrado por esse estatuto. Nem superior, nem inferior. Porquê? Em primeiro lugar porque fui criado numa grande família, composta de seis tios maternos e oito tios paternos. Fui o primeiro neto de ambas as partes logo, o primeiro sobrinho. Recebi dos meus tios o maior carinho, o maior respeito, a máxima consideração que eu retribui de igual maneira e da melhor forma que me foi possível. Os meus primos que são imensos sempre viram em mim um exemplo a seguir. Tanto assim é que os filhos dos meus primos, principalmemente os mais jovens, me chamam tio. Depois, cresci e fiz-me homem no meio de um número, suficientemente, alargado a quem considerei e considero AMIGOS, sendo retribuído com igual epíteto e manifestações de carinho.
Esta noite e hoje, não me sai da cabeça, uma AMIGA recente que me parece estar a atravessar um momento difícil, complicado e, por mais que eu queira esquecer, não consigo. Estou aflito. Sinto um aperto no coração. Queria estar perto. Dizer coisas - se calhar sem nexo, como acontece, frequentemente, nessas ocasiões - mas demonstrar solidariedade, tentar amenizar a dor, ser ouvinte no desabafo que faz bem à alma.
É desta forma simples que entendo a amizade. Que a cultivo. Que a pratico. E hoje estou angustiado com um(a) amigo(a). Angústia que redobra por não poder ajudar. Vou rezar para que o Deus em que acredito seja benevolente para com este(a) amigo(a).

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Escandinavo???

Em tempos - Setembro de 2009 - lembrei-me de escolher para um blogue, em regime experimental, o título de "Escandinavo". Saiu o que se segue e agora quero partilhar com os meus seguidores:

Não sei o que me deu ao escolher este nome para o blogue. Eu que nem gosto de frio e adoro calor e praias de águas cálidas. Lembrar-me da Escandinávia deve haver aqui alguma dose de loucura ou, pelo menos, de senilidade.

Mas já está, já está. E não vale a pena a gente aprofundar muito as coisas. Incomodarmo-nos à procura de justificação para todas as coisas é uma chatice. E há muitas que não merecem o tempo nem o incómodo de reflectir sobre elas.

Hoje está um daqueles dias de domingo que não me apetece fazer nada. Se calhar estou melancólico porque a minha Raquel saiu há pouco, para ir para Évora, depois de passar pouco mais do que um dia e meio ao pé de nós.

Cada um tem a sua vida e ela tem de tratar da sua. Por isso calcorreia estas estradas para nos vir ver e depois regressar ao seu trabalho.

Já agora, não sei se repararam: não falei de emprego falei de trabalho e fi-lo sem estar a meditar nas palavras. É que estas minhas filhas fazem parte dos portugueses, cada vez mais exíguos, que procuram e obtêm trabalho. A ordem do dia hoje é arranjar emprego, porque trabalho que o leve o diabo.

É uma cultura que se criou, principalmente no pós 25 de Abril de 1974, que o que era preciso era ter emprego e o dinheirinho a cair certinho ao fim do mês. O trabalho já não interessava a não ser ao patronato, quer ele fosse um magnata, quer fosse um pequeno empregador de meia dúzia de pessoas. Os direitos "inalienáveis" dos trabalhadores conquistados com o 25 de Abril era para usufruir à tripa forra.

Sem saudosismo, mas com saudade da responsabilização, do direito e da ética dos valores Sociais que nos foram transmitidos pelos nossos maiores de que "sem trabalho não há nada" vejo esta cultura conduzir-nos a lado nenhum. Cada vez estamos pior. Cada vez temos uma classe média mais empobrecida. Cada vez temos jovens mais desalentados e sem esperança no futuro. Cada vez temos idosos que toda a sua vida labutaram para fazer deste País uma Pátria onde valesse a pena viver, abandonados em lares miseráveis de condições sub-humanas ou em casa, sozinhos, com as pensões que mal chegam para comprar os medicamentos que necessitam para continuarem a viver, e a verem que cada vez sobra menos para comerem refeições de jeito ou comprarem um trapito para se agasalharem.

Se calhar, este último parágrafo deu-me a explicação para o termo que escolhi para o blogue. É que na Dinamarca, na Noruega, na Holanda, na Finlândia estas coisas não acontecem. Primeiro porque toda a gente, enquanto pode, trabalha e produz o máximo e, em contrapartida, tem uma assistência social e uma protecção na infância e na velhice.

Sabem? Eu gosto de escrever ao correr da pena. Sobre tudo e sobre nada. Despejar o que me vem à cabeça na hora. Sem manuscrito ou muito reflectir sobre o que estou a debitar para o computador. Ele é o meu confidente e aos confidentes a gente diz o que nos vem à cabeça, sem muito pensar ou discutir. Principalmente quando falamos à vontade, sem necessidade de escolher as palavras ou as frases.

Desta forma, quando não tenho ninguém com quem discutir assuntos sérios, desço até ao escritório, dirijo-me ao computador e penso que posso dizer o que me dá na gana. Talvez um dia, alguém, venha a ler estas confidências e me fique a conhecer melhor por dentro. A ler nas entrelinhas aquilo que eu sou verdadeiramente e o que penso a cada momento.

Agora me lembra antes de terminar. Pode ser que me tenha vindo à cabeça este "username" porque gosto de democracia a sério. Não me identifico com esta fantochada de democracia em que vivemos. Não suporto políticos corruptos e oportunistas que andam na política até que alcancem alguma projecção para depois se alcandorarem nas grandes empresas, públicas ou privadas, como administradores para ganharem "roubarem" uma pipa de massa e viverem à custa de quem, efectivamente trabalha e produz. Enriquecerem à custa do zé povinho "sem saberem ler nem escrever" mas que foram sempre uns "yes man" junto dos poderosos da política e depois lá vem a recompensa. Não do conhecimento; não do trabalho; não da dedicação à causa pública; não da competência; não da honestidade; mas sim da subserviência, de coluna vertebral, qual enguia, que ginga consoante os ventos e os poderes ou os candidatos melhor posicionados, para atingir os seus objectivos.

Porventura, no meu ID Freudiano, tenho pena de não ter nascido em países civilizados e com sentido de justiça e igualdade nos direitos, nos deveres, e onde a meritocracia é premiada e mediocridade ostracizada.

É capaz de ser isso.

Mas vamos lá a acabar. Já me começam a doer as costas de estar aqui há um bom bocado, não só a escrever mas a ver umas notícias na Net, mais uns E_Mails e isto de ser sexagenário e meio já começa a pesar nas articulações.

Cá fica mais um desabafo num dia de melancolia e também de saudade, de uma Angola em que vejo um Partido de Corruptos, que há trinta anos governam um Potentado de recursos e deixam um grande povo morrer de fome e delapidarem tudo aquilo que os portugueses lá construíram.  Aparecem na televisão com aquele ar triunfante de que ganharam as eleições de forma justa e com toda a imparcialidade, quando toda a gente sabe e vê, observadores oficiais ou simples mortais, que estas eleições não passaram de uma farsa para dar continuidade à impunidade e à corrupção, ao luxo desbragado e à miséria mais profunda, traduzida na fome, na doença, na falta de educação, de assistência médica, nas condições infra-humanas em que vive a esmagadora maioria daquele povo que nada fez para merecer tais governantes.

Fico-me por aqui para não me irritar. Pedindo apenas a Deus que se lembre daquele e do nosso povo para que um dia sejamos governados por gente digna, respeitável e honesta.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Intimidades (Dez) !!!???

Continuação...
Iniciámos o Curso do Magistério Primário no Fundão em 1976. Um trintão casado com duas filhas no meio de uma juventude, mais ou menos perdida, inquieta e descrente. Uns porque não tiveram pachorra para fazer o ano propedêutico de acesso à Universidade. Outros porque não viam outras saídas profissionais, dada a carência de empregabilidade e à instabilidade política. Numa coisa nos pareceram todos consonantes: empenho, dedicação, estudo, solidários, companheiro(a)s, respeito pelo outro, alegria de viver.
Éramos 56 alunos. Duas Turmas. Cada um com seu percurso de vida diferente e habilitações académicas de base diversificadas. Uma meta final para todos: acabar o curso e ser professor.
Os leitores poderão, legitimamente, questionar: onde estava a vocação? Porventura não havia, se considerarmos vocação como sacerdócio, missionarismo. Mas uma certeza foi-se adensando na cabeça de cada um de nós estávamos a aprender para sermos os melhores e os mais inovadores professores primários deste País. Reparem que escrevi Primários e não usei outros epítetos mais ou menos sucedâneos. E usei Primários no sentido objectivo de Primeiros, de Basilares, de Fundamentais, por isso dignos do respeito e da consideração de todos os Portugueses. Lembrar que ninguém chega a Catedrático sem ter passado pelas mãos de um Professor Primário. Uns melhores outros piores, como em todas as actividades profissionais, mas muito dignos e credores de toda a Sociedade.
A Escola era um exemplo Nacional. Pela inovação, pela exigência e pela qualidade. Os Professores nem todos tinham a qualidade científica e pedagógica que seria a desejada mas, a maioria era de altíssima qualidade. Tinham sobretudo, de forma generalizada, uma qualidade: davam liberdade ao aluno ou grupo de alunos de experienciar novas formas didácticas, desde que fundamentadas, cientificamente.
Os alunos, na sua maioria, eram de uma aplicação, a todos os níveis, notável. Apesar de virem de pontos diversos como o concelho de Belmonte, Covilhã, Penamacor, e Fundão, como é óbvio, todos nos juntávamos nos mesmos lugares para nos divertirmos e estudarmos. Coisas novas como a Linguística, Movimento e Drama, só para citar algumas matérias diferentes. Convidámos, de acordo com a Direcção da Escola os maiores escritores infanto-juvenis, da Natércia Rocha ao António Torrado, para com eles debatermos formas de abordagem e incentivo à leitura.
Fizemos feiras pedagógicas com a duração de oito dias, sem gastarmos um tostão ao erário público, apenas com o voluntarismo e a captação do Público. Desenvolvemos actividades de publicitação dos trabalhos desenvolvidos com os alunos, como corso carnavalesco com materiais recicláveis, reuniões de pais amplamente participadas. Tudo novidades para a época.
Foram três anos de muito trabalho, muita diversão, muita cumplicidade e, sobretudo de muita aprendizagem e muita amizade. Ainda hoje está patente essa amizade no almoço anual que fazemos desde o primeiro dia depois do fim do curso. Não vão todos ao almoço, por razões próprias de uma vida muito agitada. Mas vão sempre bastantes e é sempre uma enorme alegria. Recuamos trinta e tal anos em cada almoço anual que fazemos.
Importa referir que tínhamos na turma uma colega que, tendo sido regente, lhe foi dada a possibilidade de ser Professora Oficial, bastante mais velha que nós. Tínhamos outra colega casada que, por ser mulher pouco liberta dos tabus existentes, não deixando de ser cordial, não entrava na nossa camaradagem. Quanto a nós, desde o primeiro dia e não me perguntem porquê, sempre fui considerado por todo(a)s como o decano e aceite em todas as diatribes próprias de qualquer estudante.
Poderia contar inúmeras histórias umas mais soft outras mais revolucionárias que culminaram com uma carta reivindicativa ao Ministro da Educação Sotto Mayor Cardia que mereceu uma inspecção rigorosa à Escola e um aperto aos alunos que os colegas apontaram como representantes ainda que todos assumissem a respectiva responsabilidade. Deu em nada e foi mais uma vitória para a nossa Escola, que outras seguiram por todo o País.
Havia simpatizantes e até militantes de todos os Partidos Políticos mas isso nunca foi impeditivo de uma sã e democrática convivência.
Como queremos acabar com este post esta série, vamos saltar por cima de muitas coisas fantásticas que vivemos e vamos directamente para o início da profissão. Primeiro na telescola (um ano); depois no ensino primário (um ano); seguiu-se Alfabetização e educação de adultos (dois anos). Mais cinco anos no ensino primário, sempre na mesma escola o que permitiu levar dois grupos do 1º ao 4º ano de escolaridade com sucesso quase total. Uma incursão pela Educação Especial e depois uma chamada à DREC (Coimbra) para desempenhar funções técnico-pedagógicas.
Todas as actividades foram gratificantes e deixaram imensas saudades. Fizemos imensas aprendizagens por todas as experiência pedagógicas. Sentimos necessidade de, para progressão na carreira mas também para realização profissional, de nos licenciarmos em ciências da educação com especialização em deficiência mental motora e fazer um mestrado em educação com especialização em didáctica das ciências.
Quando entrámos para o Magistério já tínhamos 13 anos de serviço que com as bonificações do serviço militar ultrapassava os 15. Mas para a carreira de professor isso nunca contou para nada. Porém ao abrigo do Estatuto da Carreira Docente de 1986 consegui atingir o 10º Escalão quando perfiz 26 anos de serviço docente. A seguir pedi a aposentação. Tinha 60 anos. Descontos para a Caixa Geral de Aposentações 42 anos e 8 meses.
Nada fiquei a dever ao trabalho e sempre demonstrei junto dos meus pares o meu profissionalismo e dedicação á causa pública.
Gosto imenso de ser Professor. Hoje posso dizer que, afinal, fora sempre a minha vocação. Continuo com o bichinho. Dou aulas em regime de voluntariado nua Universidade Sénior. Quero continuar a ser útil ao meu próximo. Recebi dos meus avós e meus pais valores éticos indispensáveis. Recebi e recebo dos amigos uma dedicação e uma disponibilidade sempre muitíssimo gratificante. Recebo da minha família alargada, cunhados, sobrinhos, da minha mulher e das minhas filhas as mais gratas manifestações de amor e carinho. Que mais eu posso exigir da vida? Nada. Apenas saúde e paz.
Conclusão: Começámos  uma história de um rapaz de 11 anos. Acabamos com um "velho" de quase sessenta e sete. Vivi uma vida que valeu a pena.
Fiz deste espaço um confessionário. Agradeço a todos os leitores os comentários simpáticos.
Vamos partir para outra.

Intimidades(nove)!!!???

Continuação...
Estivemos no Continente cerca de sete meses. Viajámos pela Europa até à Alemanha, passando pelo Luxemburgo, Bélgica, França, Andorra e, claro, Espanha. Lisboa foi outro dos nossos poisos, depois de termos visitados alguns recantos, até então desconhecidos, como o Minho, Trás-os-Montes, Algarve. A Meimoa foi outra paragem prolongada.
Entretanto a minha mulher fora colocada e teve necessidade de regressar, rapidamente, a Luanda. Foi de avião com as duas filhas e um primo que nos pediu para ir tentar a sua sorte em Angola. Nós fomos de Barco para podermos levar connosco o carro novo que tínhamos adquirido, por importação directa, com entrega em Lisboa, um Ford Capri, amarelo.
Chegámos a Luanda em 28 de Janeiro de 1974. Continuámos com a nossa vida de funcionário público, mas sempre atento às movimentações e prenúncios políticos. No Continente tinham-nos chamado a atenção algumas palavras de ordem escritas em penhascos do género "nem mais um soldado para o Ultramar". Com franqueza não demos importância. Tínhamos tido conhecimento da revolta do quartel de Beja, do desvio do Navio Santa Maria, da actividade política do Humberto Delgado mas sempre acreditámos numa independência de Angola, tranquila, pacífica e multirracial. Aliás todas as Forças em presença assim o preconizavam.
Deu-se o Golpe da Caldas em Março que, à semelhança dos anteriores, tinha falhado. Fizemos parte de um grupo organizado que, face aos últimos acontecimentos na Metrópole entendeu, qual grito do Ipiranga, apoiar o General Deslandes, Governador Geral, para que este tomasse as rédeas de um Governo Angolano para todos os Angolanos e com a participação dos três Movimentos de Libertação. Estivemos no Espaço onde reunia o Conselho Legislativo no largo Quinaxixe para apoiar esta decisão. Atitude gorada pois o Governador não apareceu, como se esperava, e foi recambiado de urgência para a Metrópole. A PIDE entrou em grande actividade.
Dá-se o 25 de Abril de 1974 e toda a gente informada ficou feliz. Sabia-se ser inevitável a revolta dos Capitães por questões, mais corporativas, do que políticas. É que com os problemas graves da Guiné e as incursões dos restantes territórios ultramarinos, obrigava a um reforço de homens para os quais não havia comando. As possibilidades de promoção eram cada vez menores, pois os generais da altura, era gente nova que no início do "terrorismo" em 1961 alcançou o posto máximo da hierarquia e aos mais novos estava vedada a promoção por falta de vagas. As Academias cada vez tinham menos candidatos e o Governo legislou no sentido de permitir que Alferes e Tenentes  Milicianos, com um curso intensivo de um ano, atingissem o posto de capitão. É evidente que quem se esforça não gosta de se ver ultrapassado e o mau- estar neste grupo de Oficiais capitães era visível.
A liberdade conquistada e alegremente festejada foi dando origem a uma certa libertinagem e alguma inssureição de militares negros e brancos, mais daqueles do que destes.
O General Silvino Silvério Marques na altura Governador Geral e membro da Junta de Salvação Nacional lá ia conseguindo manter a ordem e a paz, ainda que de forma periclitante. As palavras de Spínola e reiteradas de Costa Gomes eram, de certa forma, de confiança. Mas, sem que nada o fizesse prever o Governador foi substituído depois do acordo de Alvor, pelo almirante Rosa Coutinho. Começa aqui o descalabro. A protecção ao MPLA e a discriminação relativamente à UNITA e à FNLA fazia com diariamente corressem boatos e mesmo confrontos entre grupos rivais. Entretanto começa-se a sentir um ódio candente pelo branco, que se procura armar e resistir aliás, como tinha acontecido em 1961. Mas os militares, por ordem ou com a conivência, daquele que foi apelidado de Almirante Vermelho, desarmaram os brancos e distribuíram armas a muitos negros. A situação começou a tornar-se difícil.
Em 14 de Agosto de 1975 mandámos a mulher para Lisboa para concorrer ao lugar de professora agregada na Metrópole. Veio, lavada em lágrimas, porque só conseguimos uma passagem, de um dia para outro, e por grande amizade de um agente de viagens. As filhas, a avó, uma tia avó e duas primas vieram logo a 26 de Agosto. Mas, por sorte, ficou colocada na Meimoa terra da naturalidade onde estavam os pais e irmãos. Um começo mais ou menos auspicioso.
Por indicação de uma amiga que trabalhava no Fundo Cambial depositámos todas as economias em nome do nosso pai que com 55 anos, uma saúde débil e dois apartartamentos em Lisboa, fez uma declaração de regresso definitivo à Metrópole e isso permitia que trouxesse todo o seu espólio que, na altura, eram 750 contos. O pai veio de barco para a metrópole e esperámos que a burocracia decidisse enviar a importância descrita que, com o ordenado da minha mulher e as rendas dos apartamentos dariam para encetar nova vida.
Nós, o nosso cunhado, primos e tios, ficámos a ver como as coisas corriam. Em Outubro a minha mãe parte uma perna o que me obriga a vir a Portugal de emergência e com uma licença especial. Chegámos e apresentámo-nos no então Ministério do Ultramar que nos remeteu para uma Junta Médica para podermos permanecer três meses em Portugal. Assim aconteceu.
As notícias que íamos conhecendo eram desastrosas. Começaram a chegar contentores e muita gente que foi designada por retornados com um sentido depreciativo e até com alguma intolerância, até por parte de familiares.
Fomos de novo à Junta Médica que renovou o período e, entretanto foi criado o Quadro Geral de Adidos que integrava os funcionários públicos em serviços ou, na falta de vagas, ficava a receber o vencimento base, deduzindo 1/6. Em Agosto de 1975 começámos a receber 6.400$00 mensais o que dava para viver e iniciar vida. Tivemos que fazer um tratamento nas Termas da Curia e colocámos, a mulher e as filhas na Praia de Mira. Um primo, professor no Tortosendo, incentivou-nos a ir para o Magistério do Fundão.
Sem grande convicção nesse mesmo ano ano fizemos a aptidão ao Magistério de Castelo Branco, tendo sido aprovado. Pedimos adiamento de matrícula. É que entretanto tinha chegado a primeira tranche da transferência, pedida em nome do meu pai, ao BPA, no valor de 115 contos, que se repetiria, na informação recebida, por mais cinco meses.
Propusemo-nos a construir uma residência para a família. Sendo filho único uma casa para os pais e a nossa própria família. 
Envidámos alguns esforços para ser colocados nalgum ministério, nomeadamente, das Obras públicas, sem êxito.
Os meses passaram e nova ida ás Termas e nova assentada na Praia de Mira com o já referido primo que continuou a insistir na ideia de que deveria ir para o Magistério do Fundão.
Em Julho de 1975 já toda a família tinha vindo de Angola e cada um esgravatava para iniciar nova vida e todos iam conseguindo.
Ponderada a perspectiva de entrada na Escola do Magistério do Fundão resolvemos, na expectativa de, ao abrigo da Lei dos Conjuges não nos separarmos da família, tirar o Curso do Magistério Primário.
Continua...  

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Intimidades (oito) !!!???

Continuação ...
Já vai longa a história. É imperioso atalhar tempos e espaços para poder concluir.
Ainda a cumprir o Serviço Militar Obrigatório e seguindo o que estava planeado, com a minha noiva, desde o dia que regressámos a Angola, resolvemos casar. Fizemo-lo em 14 de Setembro de 1966. Viemos de Férias com a duração de um mês, a noiva já tinha tratado de toda a documentação e demais procedimentos indispensáveis e, no dia aprazado, o Sacerdote, hoje bastante nosso amigo e Arcipreste do nosso concelho, ainda novo no cargo, presidiu à cerimónia numa das capelinhas mais bonitas deste concelho do portugalprofundo. A Senhora do Incenso, cuja romaria se realiza na Segunda-Feira a seguir ao Domingo de Páscoa e é feriado municipal.
Naquela época, por força da interdição do espaço aéreo pertencente aos países que se tornaram independentes, no espaço de tempo que temos vindo a descrever, as viagens que fizemos de ida e volta foi de avião tinha que contornar a costa Africana viajando por cima do mar, o que implicava uma hora a mais de viagem.
A, agora minha mulher, na despedida dos seus, sofreu imenso. Deixar tudo o que lhe era familiar, querido e onde se movimentava com total à vontade, para ir para uma terra distante só com o seu marido, demonstra bem como o amor era e, Graças a Deus ainda é, mais forte e mais profundo do que tudo. O nosso ombro, coração e alma foram a sua âncora durante alguns anos de ambientação.
Chegados a Luanda em 27 de Setembro de 1966, pelas 8 horas da manhã, locais, fomos recebidos com muito carinho pelos familiares. O enorme grupo de amigos que tínhamos construído ao longo de mais de uma década, preparou às escondidas, para o primeiro domingo que passámos, como casal, uma festa maravilhosa com récita feita por amadores, baile, comes e bebes e ofereceram uma tela a óleo, que ainda hoje está connosco. Foi a forma que eles encontraram para integrar no grande grupo a minha frágil - pesava apenas 42 Kg - mulher.
Passámos uma Lua de Mel maravilhosa procurando mostrar todas aquelas belezas que nos eram tão queridas e familiares. Os locais mais típicos da Cidade, o Museu, os Cinemas e Teatros, a Ilha com a Restinga, os pézinhos no mar e a barracuda, sítios emblemáticos e frequentados pela sociedade Luandense.
A nossa vida militar continuava e os compromissos que tal acarretavam obrigavam a minha mulher a ficar sozinha todas as manhãs e isso trazia-a taciturna. Procurávamos da parte da tarde e à noite compensá-la com actividades para ela, até então desconhecidas. Não foi fácil. As saudades que sentia dos seus familiares e amigos iam apertando. Nós sentíamos isso e começámos a preocuparmo-nos seriamente com a situação. Chegou, entretanto, uma carta de um cunhado com dezoito anos, incompletos, a mostrar interesse em ir ter connosco. Ali vimos parte da solução para o problema que estávamos a viver, cada um com as suas preocupações que não compartilhávamos, parecendo que se vivia no melhor dos mundos.
O Rapaz foi ter connosco. Pagámos-lhe a viagem e arranjámos-lhe um emprego provisório. O definitivo nas Finanças já foi ele que tratou do assunto.  A vida começou a ser menos pesada para a minha mulher. Ocupava-se do marido e do irmão que foi viver connosco. Começou também uma gravidez que parecia não acontecer, no primeiro mês após o casamento, o que tornou a minha mulher muito feliz e com menos saudades. Começámos a viver a nossa vida com mais alegria. A convivência com a nossa família e os nossos amigos continuaram e tudo isso permitiu que nós preparássemos o nascimento do nosso bebé com todo o carinho e todo o pormenor.
Passámos o Natal, o primeiro que ela passou sem frio, com calor solar e humano. Fizemos tudo como era hábito, com presépio, ceia de natal à moda da Beira Baixa e uma missa do galo na nossa paróquia.
O ano seguinte foi cheio de mudanças. Começámos por tirar férias logo em Janeiro de 1967 e fizemos umas viagens a sítios paradisíacos. Viajámos no automóvel que tínhamos adquirido pouco tempo antes de casarmos. Visitámos as cataratas, designadas por, Quedas do Duque de Bragança, próximo de Malanje que ficavam a 400 Km. As distâncias naquele país, sendo enormes, eram consideradas sempre, ali. O mesmo é dizer, perto. Estradas boas, segurança total e tudo à mão e económico. Visitámos a Barragem de Cambambe, a reserva natural da Quissama, a barra do Quanza, o Mussulo e todos os lugares que nos pareciam fazer feliz a minha mulher. E, efectivamente a ambientação começou a processar-se devagarinho.
Sem contarmos, veio uma ordem do Quartel General para que todos os Furriéis milicianos incorporados em 1964 fossem convidados a continuar a vida militar e os que não aceitassem passariam à disponibilidade no dia 31 de Março de 1967. Para nós foi uma alegria total. Entretanto tínhamos decidido mudar de vida profissional e fizemos concurso para 2º Oficial do Quadro dos Serviços Administrativos, o equivalente aos serviços da Administração Interna nacionais. Fomos colocados e iniciámos funções em 1 de Abril de 1967.
Entretanto aquilo não nos dizia muito, sob o ponto de vista profissional e concorremos para as Obras Públicas. Serviços que se ocupavam de construir todos os edifícios necessários ao Estado. Fomos colocados em Silva Porto, hoje Bié, e aí a minha mulher tirou o curso do Magistério Primário. A nossa filha, já com dois anos, fora criada por uma senhora amiga e nossa vizinha, com a ajuda de uma empregada preta, que a ajudou imenso no desenvolvimento da linguagem e na motricidade. A adolescente negra, punha a miúda a dançar ao som dos discos de vinil que tínhamos, com músicas em voga, nacional, angolana e estrangeira, principalmente a brasileira.
Os três anos que estivémos no Bié foram os mais aprazíveis para a minha mulher. Ao contrário, para nós foram bastante monótonos. Não é que a cidade não tivesse os seus encantos mas nós é que éramos demasiado citadinos para nos habituarmos a um mundo tão rural. Mas como tudo faz parte da vida vivemos sempre com o optimismo que nos caracteriza. Aproveitando as partes positivas das coisas e situações - que as há sempre -  e esquecendo as negativas.
Ao fim dos três anos fizemos concurso para chefe de Secção Técnica da Câmara Municipal de Luanda e fomos aprovados e colocados nesta nova função. Éramos o Chefe de Secção mais novo de todo aquele empório.
A vida corria de feição e em 1972 viemos a Portugal passar 30 dias de Férias para a minha mulher matar saudades. Como tinham passados cinco anos após o Serviço Militar altamente secreto e as siglas e códigos mudavam com essa periocidade foi-nos concedido o passaporte que nos permitiu ir a Paris. Viajámos com a nossa filha de cinco anos de idade. E, sem qualquer programação, nova gravidez da minha mulher.
No dia 15 de Junho de 1973 nasce a nossa segunda filha e, como estava programado, iniciámos a nossa licença graciosa em 1 de Julho do mesmo ano. A viagem de avião foi aprovada pelo obstreta e pelo pediatra e a família da minha mulher não cabia em si de contentes pelas duas visitas anuais seguidas e por verem a nova neta e sobrinha.
Voltaremos ...

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Intimidades (sete) !!!???

Continuação...
Desenvolvido mais um capítulo daquilo que o amigo e colega Serrano apelidou de novela, voltemos ao fio condutor.
Regressámos a Luanda em 11 de Outubro de 1963, com o coração apertado por deixar para trás o meu primeiro e único amor. Fomos de Navio e parámos, como habitualmente, na Madeira. Desta vez fui de bote até ao Funchal. Não recordo nada daquela cidade, naquele dia. Dá impressão que não via nada do que me rodeava. Sentia, apenas, o cheiro intenso das flores e o artesanato. Comprei uma prenda que embalei e mandei, pelo correio, uma prenda para a minha namorada. Depois enfiei-me num cinema e vi uma matiné. Não perguntem qual o filme não o recordo, nem tenho a certeza de que tenha visto alguma cena. O pensamento tinha ficado no Continente, não conseguia ouvir ou ver coisa alguma. Acabada a fita percorremos umas centenas de metros, a pé, absortos na minha saudade e, sem me dar conta, estava junto do ancoradouro onde estava um indivíduo a vender violas. Comprei uma que me agradou. Sabia tocar pouco, mas as serenatas que tinha feito à minha amada, tinha como instrumentos uma viola e um banjo. Assim, fiquei com a sensação de ter um elo de ligação que era o alfa e ómega da minha existência naquela altura.
Regressei no primeiro bote que saiu para fazer a ligação ao navio. Fechei-me no camarote e dedilhei uns acordes de acompanhamento de um dos fados de Coimbra que cantávamos no adro da Igreja que ficava mesmo ao lado da casa do meu amor.
Viajava em 1ª Classe e tinha um camarote só para mim, podia dar-me a estes luxos porque não incomodava ninguém.
À chegada a Luanda no dia 21 de Outubro desci as escadas e fui ter com os meus pais, alguns familiares e amigos. Levava na bagagem uns mimos para todos. passámos pelos verificadores alfandegários sem nenhum problema e isso permitiu que se matassem saudades de umas uvas que, inexplicavelmente, chegaram impecáveis, de uns cálices de aguardente caseira e foi uma festa lá em casa. Só eu estava sorumbático o que não passou despercebido aos olhares paternos. Ficando sós, logo veio a pergunta: o que se passa filho? Tu não és o mesmo que saiu daqui há sete meses. Com algumas reticências lá contei do enamoramento. Os meus pais conheciam os pais da moça e gostaram da ideia. Precisamente ao contrário do que tinha acontecido com o pai dela quando lhe fui, responsavelmente, pedir a mão.
Nós os dois tínhamos apostado no nosso enlace e as reticências daquele que foi meu sogro, não abalou, nem um pouco, a nossa decisão que já tinha sido acordada entre nós e até o mês e ano de casamento tínhamos planeado.
Nunca mais fomos o mesmo rapaz alegre e divertido. Vivia mergulhado na saudade que procurava colmatar com a escrita diária de cartas de amor que enviava para a Metrópole. Apesar disso continuámos com a nossa vida onde a solidariedade não era apenas uma palavra. Arranjávamos sempre um tempinho para em conjunto com amigo(a)s visitar os doentes nos hospitais públicos. Continuámos a trabalhar na JOC, afincadamente. Reforcei as amizades masculinas e femininas, principalmente estas, que me ajudaram a suportar as saudades. De tudo dava conta à minha noiva.
Congeminei uma forma de voltar o mais rapidamente para o Continente. Fiz uma prova de admissão como voluntário para especialista da Força Aérea. Fiquei aprovado e isso permitia-me voltar para fazer o curso de cerca de uma ano na OTA. Planeava comprar uma moto mais potente, 750 cm3, para poder fazer deslocações fáceis e rápidas nos fins de semana e folga. Ironia do destino. A data normal de de incorporação no exército era em Agosto do ano seguinte. Ao contrário, na Força Aérea, era em Julho. Fiz planos para que se concretizasse esse meu sonho. Desilusão pura. Em Abril recebemos guia de marcha para nos apresentarmos na Escola de Aplicação Militar de Nova Lisboa no dia 11 de Maio de 1964.
Entretanto tínhamos perdido o medo da guerra, porque esta não tinha expressão e morria-se mais de acidente do que balas. Mas revoltou-me o facto de ter de ingressar no Exército. Mas o que tem de ser tem muita força e, não houve remédio se não acatar.
Importa aqui e agora dizer com frontalidade e com justiça, salvaguardando sempre as excepções que confirmam a regra, a guerra em Angola foi sempre feita pelos praças e pelos milicianos (sargentos e oficiais), furriéis e alferes. Outra peça importante, os Capitães do Quadro Permanente que, por força das circunstância tinham que existir para comandar companhias. Estes, oriundos da Academia Militar, já eram mais maduros e com idades na ordem dos 30 anos ou mais, com família constituída. É que as promoções obedeciam a regras muitos transparentes e apertadas. Os Sargentos eram militares com mais ou menos 20 anos de serviço já que, não tendo habilitações académicas, eram promovidos segundo os anos de serviço e as comissões aos teatros de guerra. Para estes, a quem estava quase sempre destinada a parte administrativa das respectivas companhias a guerra de Angola foi uma mina. Não corriam riscos porque ficavan na sede dos Regimentos ou dos Batalhões, em vilas e cidades que estavam completamente pacificadas. Em contrapartida, ganhavam muito mais do que no Continente o que fez com que se dissesse, com alguma propriedade, que cada comissão no ultramar correspondia à aquisição de um apartamento em Lisboa, Porto ou noutras cidades do país. Não se pode dizer que tudo foi mau e nem sequer o foi para toda a gente. Também houve beneficiários líquidos e algumas recompensas. Apesar disso é justo aqui realçar que todos os combatentes, independentemente da sua graduação, merecem do Povo Português o respeito e a homenagem que o seu esforço e a sua dedicação patriótica, lhe granjearam. Se o Professor Doutor António Barreto, Comissário Nacional para as Comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, teve a coragem de redimir estes patriotas no passado dia 1 de Junho de 2010, é preciso que a restante população reconheça o respeito devido a todos aqueles que combateram pela pátria, independentemente de concordaram ou não com a guerra colonial. Todos se limitaram a cumprir um dever que lhe fora imposto, aliás como aconteceu em guerras anteriores da nossa história, e sempre em cumprimento de ordens de politicas vigentes. Os desertores e muitos cobardes é que não podem merecer tal distinção. Fugiram às suas responsabilidades maiores e, em regra, eram meninos de papá, sem dificuldades e sem ideologia, que conseguiam passaporte para outros países, coisa que não estava ao alcance do comum dos mancebos. Não vale a pena referir nomes mas, pelo menos os nossos contemporâneos, conhecem-nos a dedo.
O mesmo é devido aos emigrantes que na década de sessenta rumaram, a salto - clandestinamente - para a França, Alemanha e outros Países do Norte e que, com as suas remessas (poupanças) faziam com que o Escudo fosse uma moeda forte e confiante, para os mercados bancários internacionais.
Passados quatro meses de recruta com preparação militar de guerra fomos, aliás como ia na guia de marcha, encaminhados para a Unidade a que estávamos destinados - o Batalhão de Transmissões nº 361, em Luanda, para complementarmos o curso com a aprendizagem de linguagem Morse e Cripto, indispensáveis às comunicações secretas. Terminado o curso veio a promoção e a sorte (esta dá muito trabalho) de ficar sempre no Batalhão e não ter necessidade de ir para o teatro de operações, já que fora dos melhores classificados do curso e, a estes, estava reservado o trabalho de bastidores e não de operacionais.
Pode-se dizer que, exceptuando o tempo de recruta nunca dei nem ouvi um tiro. Andava de noite pelos locais mais recônditos, frequentava a LAA, ia a festas farras e nunca vi nenhum acto de menos cordialidade fosse de quem fosse.
Passámos um tempo de tropa que se pode dizer de luxo. Ia de manhã para o quartel em jeep militar que me ia buscar a casa, organizava o serviço diário, ia a despacho com o Comandante da Companhia e depois ia à Messe comer uma sandes e beber umas cervejas. À hora de almoço voltava o condutor a deixar-me em casa e, como na altura já tinha tirado a carta de Ligeiros e pesados Profissional, comprei um carro. Um Vauxaul de seis cilindros que comia 20 litros aos cem. Mas andava que era uma maravilha e a gasolina a dois escudos o litro não era problema. Todas as tardes lá íamos os mais amigo(a)s para a Praia da Restinga na Ilha de Luanda. Passávamos a tarde e lanchávamos na Barrucuda, restaurante muito conceituado onde com uns camarões e umas cervejas encerrávamos a tarde, já noite, pois anoitecia às seis horas da tarde. Os dias e noites, naquelas paragens tinham duração igual (12 horas cada).
Apesar das mordomias nunca gostei da vida militar e não me revia naquele estatuto. Estava desejoso que passassem os cerca de quatro anos para passar à disponibilidade, apesar de ganhar bem, 4.650$00 mensais e de ter toda a liberdade de acção.
Contudo não estava no meu espírito ser militar de carreira apesar de ter sido aliciado para tal. É que nunca gostei de fardas nem de armas. Tinha fobia a estes acessórios. Mas enquanto lá estive cumpri sempre com as minhas obrigações e assumi integralmente as minhas responsabilidades. Aquele Batalhão era uma autêntica família, onde as patentes não tinham qualquer importância e toda a gente se tratava pelo nome próprio. Ainda hoje nos encontramos, uma vez por ano, com as nossas mulheres, para desfrutar um dia de saudade e de amizade. Encontrámo-nos sempre cerca de trezentas pessoas, do soldado raso ao Tenente General - posto máximo da hieraquia - e confraternizamos e lembrarmos os que a vida já levou. Não por motivos de guerra, ninguém morreu na guerra, mas por doença, acidentes e velhice.
Continua...

domingo, 22 de agosto de 2010

Intimidades (seis)!!!???

Continuação ...
Estávamos em finais de 1961 e com a guerrilha paralisada ou, pelo menos, neutralizada, havia que fazer um esforço de desenvolvimento do território, para minimizar os ataques dos, ditos, países não alinhados, que tinham entrado para a ONU e, nesta, faziam questão de se aliar á União Soviética, França, China, Inglaterra e Estados Unidos, para nas Assembleias Gerais, manterem na Ordem do Dia o ataque diplomático a Portugal, por ser o único país que ainda possuía territórios ultramarinos.
Uma hipocrisia sem tamanho. As Nações Unidas têm demonstrado, ao longos dos seus 60 anos de existência que não passa de um grupo de pressão que voga ao sabor dos ventos e das circunstâncias. Defende interesses obscuros e aloja gente que só se preocupa com o seu bem-estar. Não há regra sem excepção, mas esta confirma a regra. Damos alguns exemplos: Comissários pedófilos. Roubo de ajuda humanitária. Silêncio quanto a guerras injustificadas. As Maldivas continuarem a ser colónias de Inglaterra, bem como Gibraltar e não vale a pena continuar. É suficiente para elucidar.
Sabia-se que a Diplomacia era adversa ao nosso País e era preciso fazer alguma coisa. E fez-se. Em três anos ligaram-se todas as sedes de Distrito por estradas asfaltadas. Construíram-se escolas que, aproveitando a reforma educativa encetada, em Portugal, por Veiga Simão, se deu a possibilidade de massificação do ensino a todos, independentemente da raça. Investiu-se fortemente na formação de Quadros Superiores de todas as Raças. Criaram-se Universidades. Apostou-se, fortemente, nas Escolas do Magistério, Industriais, Comerciais para formar gente capaz de gerar, rapidamente, mais valias em recursos humanos. Investiu-se em infra-estruturas como Saneamento Básico de todas as Cidades e Vilas  e levou-se o abastecimento de água às zonas mais remotas e aos musseques mais intrincados.
Os militares, agora com formação adequada, tropas especiais: Comandos, Rangers, Paraquedistas, Cavalaria com os seus Tanques, Transmissões e demais Comunicações ultra-modernas, contribuíram para, rapidamente confinar os conflitos, que eram esporádicos e quase irrelevantes. Muitos militares formados por incorporações locais, com pretos e brancos à mistura, numa Escola de Aplicação Militar de Nova Lisboa, hoje Huambo, que formava sargentos milicianos. Havia, também, uma Escola de Oficiais e Sargentos Comandos, em Luanda e  um grupo Especial de Militares pretos, designados por "flechas" que era uma guarda avançada nos Pontos mais críticos.
Muitos dos nossos militares não regressaram depois das Comissões porque arranjaram emprego e constituíram famílias por lá. Estes deram-se conta de que poderiam ter uma vida melhor do que a deixaram no mundo rural em Portugal. Outros aprenderam coisas novas e experimentaram novos horizontes que trouxe a Portugal Continental outra Luz e outras cores. Deixou de ser tão cinzento, este rectângulo, que viveu durante anos sob o desígnio do "orgulhosamente sós".
A Guerra Colonial não se pode resumir a Angola e, por isso, há especialistas que estão a estudar o fenómeno. Mas se esta se tivesse restringido a Angola e não houvesse intervenção e interesses estrangeiros posso afirmar, sem receio de errar, que o desfecho não teria sido "a descolonização exemplar" e, hoje haveria lugar para uma Angola próspera, democrática, que, no contexto Internacional, poderia ombrear com um Brasil e outras economias emergentes. Assim ficámos nós mais pobres e deixámos um povo a um destino cruel, de violência, miséria, crime organizado, corrupção e tudo aquilo que torna um Povo infeliz.
Quanto aos retornados, como acintosamente apelidaram aqueles que trabalharam, investiram enganados, e deixaram toda uma vida para trás, sem apoio de ninguém, abandonados à sua sorte e iniciativa foram, como demonstram vários estudos sociológicos a lufada de ar fresco que transformou este País.
Mas voltemos atrás: 1962, até 1973 o desenvolvimento de Angola foi tão expressivo que até as Nações Unidas se viram obrigadas a não continuar a interferir na vida de Portugal e dos Portugueses. Fizeram uma espécie de tréguas, em boa verdade devido às capacidades diplomáticas de Franco Nogueira.
Nós já com 18 anos também via com apreensão a ida para a tropa. Sendo filho único os pais incutiam maiores receios. Mas nós sempre vivemos a nossa vida com alegria e com despreocupação. Os bailaricos, as festas de amigos, privadas, e outras mais públicas, eram o nosso tónico para revigorar do trabalho e do estudo, ambos intensos, mas muito gratificantes.
Adquirimos uma Moto de 250 cm3 que já necessitava de carta de condução e, obviamente, tirámos essa carta que nos habilitava a conduzi-la. Nela já podíamos transportar um amigo como pendura, quer fosse rapaz ou rapariga. Importa aqui abrir um parêntesis para dizer que as moças nascidas e/ou criadas em Luanda eram desinibidas, tinham algumas liberdades e usavam-nas sem rebuço. A mini-saia, moda feminina era sempre generosa, deixando antever belezas femininas excitantes. Por sua vez as roupas claras, finas e quase transparentes deixavam perceber seios túrgidos que não necessitavam de soutien. Por sua vez os rapazes com calças à boca de sino, cabelos compridos à Beatles, eram companhias agradáveis para estas meninas família. Então rapazes de bom porte e com estabilidade na vida, com Educação e Valores eram bem aceites no seio das famílias.
Estes aspectos permitiam grande divertimento sem abusos, de certa forma ingénuo, mas nem por isso menos atractivo e menos glorioso. Satisfaziam plenamente uma vida de Juventude saudável, responsável, bonita, por dentro e por fora, com as excepções que há em todas as sociedades e com todo o Ser Humano. Na nossa Moto levámos muitas vezes meninas muito bonitas e perdoe-se-nos a presunção com algumas ideias de que as coisas evoluiriam para algo mais sério. Nós, pela nossa parte, queríamos apenas viver a nossa amizade e fazermos as nossas brincadeiras próprias da idade. Aos 19 anos, quase 20, viemos de Graciosa (Férias prolongadas de 6 meses) a Portugal. Sozinho, com um ordenado mensal de 2.500$00 que eram uma pequena fortuna, quando comparado com aquilo que recebia, por exemplo, um Professor Primário, no Continente. Menos de 1.000$00 por mês o que nos permitiu fazer aqui umas férias de verdadeira borga e luxo, mas sobretudo, de nos enamorarmos de uma rapariga muito tímida, discreta mas, ao mesmo tempo, muito bonita, inteligente, digna e recatada.
Foi o cabo dos trabalhos para a conquistar porque, para ela, não passávamos de um D. Juan que só se queria divertir, em tempo de férias, com uma rapariga simples e honrada. Mas o nosso amor foi tão grande e tão persistente e as intenções eram tão sérias que a convenceram de que era muito diferente da ideia pré-concebida que tinha a nosso respeito e isso permitiu alcançar o objectivo. Começámos a namorar. E não é que passados 47 anos, ainda hoje fazemos os mesmo que nos uniu quando tínhamos 20 anos. Casámos com 23 anos, ainda estávamos na vida militar. Tivemos e temos duas filhas maravilhosas que são os nossos olhos e a nossa alegria. Fazemos 44 anos de casados. Ela foi e é a única mulher da minha vida. O mesmo acontece com ela. E não se pense que algum dos dois tivesse falta de pretendentes. Fomos apenas e só feitos um para o outro. Com os obstáculos naturais de uma vida a dois mas, sobressaltos sempre ultrapassados e encarados como mais uma vitória que se ultrapassava.
Isto agora, parece uma salganhada que começa com um ano de guerrilha e acaba com uma declaração de amor adulto, fecundo e que começou ainda numa altura que os jovens eram considerados imaturos. Parece que connosco isso não aconteceu. Sempre soubemos de certeza, absoluta, aquilo que queríamos quando nos começámos amar, loucamente.
Continua...

sábado, 21 de agosto de 2010

Intimidades (cinco)!!!???

Continuação...
Na crónica anterior - pretensão ao chamar crónica a uma singela descrição - falámos de algumas actividades económicas e de uns tantos povos - etnias - esquecemos-nos de mencionar os cuanhamas que são os habitantes do Sul de Angola e estão em contacto com o Zimbabué, dos Bailundos do Leste que faz fronteira com a Zâmbia e, porventura, haverá muitos outros que não me recordo ou desconheço.
Daremos um pequeno salto até ao dia 3 de Fevereiro de 1961 quando nos despedimos de alguns amigos e nos dirigimos cada um para sua casa, já a noite ia alta. Durante anos nunca demos grande importância à efusividade do abraço daquela despedida. Só mais tarde associei que fora uma despedida da vida. É que esses que se despediram tinham aderido, sigilosamente, a Movimentos de Libertação e nós não sabíamos desse pormenor. No dia 4 de Fevereiro, de madrugada já tinham ocupado a Reclusão (cadeia civil e militar) para libertar presos políticos mas também de delito comum, atacado a 7ª Esquadra da PSP que ficava na Estrada de Catete matando sete agentes e furtando muitas armas.
O Dia 4 foi, depois, uma catástrofe. Rapidamente se formaram grupos do tipo milícia, sem ordem e sem regras. Sem comando nem ordem muitas mortes inocentes houve. A Casa da reclusão ficava junto ao Porto de Mar e para se chegar à parte alta da cidade e aos musseques da estrada do Cacuaco era necessário calcorrear grandes escarpas de terra vermelha (as barrocas) e, muitas pessoas eram apanhadas como coelhos saídos da toca.
É um dia que me esforço por esquecer. Ainda que, em abono da verdade, tenha que dizer que tive outros igualmente tristes e marcantes.
Os dias e os primeiros três meses que se seguiram foram de uma tristeza e inquietude alucinante. Eram os boatos próprios de uma guerra que começara, era a chacina de homens mulheres e crianças, brancos e pretos, quer nos musseques ou nas fazendas do interior, com canhangulos (armas gentílicas de carregar pela boca) ou à catanada que mostrava o terror da barbárie existente. 
Esta visão, para nós sempre foi uma incógnita que não nos deixava de martelar o pensamento questionando, porquê? 
É que sempre me habituara a um convívio e a uma mistura de raças que me recusava a compreender este ódio. Como poderia haver tais paradoxos. O Português foi o único colonizador que fez mulatos. O mesmo é dizer que a miscegenação foi sempre uma grande virtude desta forma de colonizar. O amor ultrapassava as barreiras da cor e era vulgar encontrar brancos casados com pretas e a inversa é igualmente verdadeira, ainda que em menor percentagem. Então porquê este ódio aparente retratado nos casos conhecidos?
Anos mais tarde com o Estudo e as conversas fomos descobrindo o que, efectivamente aconteceu. A História há-de, um dia, demonstrar esta realidade.
Eram conhecidos dois Movimentos, ditos, de Libertação: a UPA (União dos Povos de Angola) e o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola). O primeiro chefiado por um estrangeiro Holden Roberto, um negro casado com uma branca e, por acaso ou não, era cunhado do Presidente da República Popular do Congo, Mobutu. Entrava em Angola pela Foz do Zaire e com intoxicação informativa e muita bebida, convencia os negros angolanos que deviam matar os brancos portugueses porque depois ficariam com todos os seus bens, casas, carros, camiões e máquinas. Até teriam o direito de ficar com as suas mulheres. Durante mais ou menos um ano esta táctica deu os seus resultados e os massacres, sendo esporádicos, eram de uma crueldade e de violência inaudita. O MPLA tinha como seu chefe o médico Agostinho Neto e seu adjunto Lúcio Lara, que viviam no exílio e faziam, através da rádio Brazaville, a sua catequização para a luta armada. Não se lhe conheciam à época, massacres. Este Movimento de Libertação aglutinava os intelectuais todos ou quase todos formados em Portugal e depois com estágios em Moscovo na União Soviética, de quem recebia apoio logístico, armas e técnicas de terrorismo.
Foi nesta altura que, numa espécie de grito de guerra, que ficou célebre em Portugal, proferido por Salazar: -"para Angola rapidamente e em força". Se foi dito, assim foi feito, e foram mobilizados muitos militares, alguns já na disponibilidade que, mal armados, desconhecedores do terreno, das populações e das condições climáticas embarcaram em direcção a Luanda onde foram recebidos como heróis nacionais.
À distância de cerca de 45 anos vemos, com um certo olhar crítico, como era caricato o espectáculo do desfile pela Marginal. Vestidos com um fardamento de caqui castanho, com tamanhos inadequados, para a maioria dos soldados que fazia deles quase uns "palhaços" tal a figura ridícula com que apareceram.
Mandaram-nos para o mato e para assegurar a ordem nas fazendas e Vilas do Interior. Com a ajuda dos Nord Atlas da Força Aérea e alguns Helicópteros Puma e as disenções dentro dos Movimentos de Libertação tudo acalmou e a guerra passou a ser uma recordação. Muitos apoiantes da UPA e do MPLA deixaram de o ser e fundaram um novo Movimento a que chamaram UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola) chefiada por Jonas Savimbi. Um intelectual que tinha o seu apoio na zona Sul e Leste de Angola, do seu vizinho Zâmbia e dos Estados Unidos da América. Pelo meio houve uns mercenários Sul Africanos e Rodesianos mas sem expressão e sem muitas consequências, pelo menos em dimensão.
A partir daqui foi o desenvolvimento efectivo e em grande escala.
Continua...

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Intimidades (quatro)!!!???

Continuação ...
Ficámos no relato das convicções sociológicas. Vamos dar continuidade, sem antes, fazer uma declaração relevante. Não sou Antropólogo e, como tal, tudo o que escrever está sujeito a erros de análise. Expressarei apenas impressões percepcionadas, sem substrato científico onde se alicerçar.
Em Angola havia uma classe profissional que não foi dispicienda no seu desenvolvimento, para o bem e para o mal. Referimo-nos aos Fazendeiros. Eram empresários, em regra pouco escrupulosos, que adquiriam, gratuitamente do Estado, grandes extensões de terreno fértil e nele construíam o seu "império". A casa grande onde morava o senhor e respectiva família, cercada, normalmente em forma de U, pelos celeiros e armazéns. Num deles existia um comércio onde tudo se transacionava. Comprava-se a preços demasiado baixos e vendia-se caro. Este desiquilibrio fazia com que os trabalhadores estivessem, permanentemente, em dívida. À distância de cerca de um quilómetro alinhavam-se em circulo as cubatas de pau a pique amarrados com sisal, revestidos com barro que secava ao Sol e por cima a cobertura de colmo, para abrigar as famílias de negros, sempre numerosas e jovens. Toda aquela gente trabalhava para o dono da casa grande.
Por sua vez os homens nativos que, também em regra, não gostavam de trabalhar, passavam a vida no Quimbo - o tal círculo de cubatas - com as crianças, bebendo cachaça e fumando folhas de tabaco virgem, que enrolavam depois de estas serem secas ao Sol. As mulheres com os filhos às costas enrolados em panos e bem apertados para não caírem, iam para as "machambas" - havia outras designações para os espaços que tinham a mesma função, consoante a localização geográfica e a etnia -  produzir o milho, a mandioca, a jinguba, a banana e outras frutas tropicais, que eram a base da alimentação da família. Pequena horta à portuguesa, se quisermos. Este trabalho era fundamental para o sustento familiar. Por sua vez, o Homem que, com os bens que as mulheres produziam, iam "comprando" com vacas, porcos e outros animais, mais uma e outra mulher, para ser mais um braço de trabalho, à qual fazia uma larada de filhos e presenteava com panos mais ou menos caros, mais ou menos coloridos, consoante a sua produtividade sazonal. Atente-se que a maioria das culturas produzia três e quatro vezes por ano, consoante a espécie e a fecundidade do terreno e o clima que variava de zona para zona. Também se dedicava à caça dos Gamos, Pacaças e outra caça grossa, com arco e flecha, esta com a ponta envenenada.
Por esta simples descrição fácil será entender que o fazendeiro, salvo raras excepções, que as havia, enriquecia com esta postura social dos indígenas. A par das culturas intensivas que ele próprio produzia, ainda recebia, quase de borla, o produto do trabalho nas machambas.
É subentendível que nada disto pode ser generalizado a um território tão vasto e com tantas diferenças étnicas. Se o Bailundos, os naturais do Sul de Angola eram submissos e trabalhadores, os Quimbundos de Luanda e do Norte eram arrogantes e preguiçosos. Se os Quiocos eram, mais ou menos nómadas e comunicavam entre si por estalidos bocais e não articulavam palavras, os Malanginos eram supersticiosos e ostracizados pelos quimbundos. A estes últimos caracterizava-os uma faceta visível. Quando nasciam, as mães e avós, ainda antes de cortar o cordão umbilical, faziam-lhe inúmeros cortes na cara, com uma lâmina de barbear, para, no seu entender, esconjurar todo o mal, toda a doença, quer física quer espiritual. Este acto bárbaro deixava marcas na cara para toda a vida. Os quimbundos chamavam-lhe "manangambé" o que era uma ofensa inaceitável e que, por norma, era redimida com sangue na ponta de uma faca improvisada, qual lança de guerra. Há também outra etnia, que há muita boa gente que considera angolana, mas não é de todo verdade. São os cabindas. É que o enclave de Cabinda nunca pertenceu a Angola. Era um território independente que, através do Tratado de Simulambuco, o Régulo entregou a Portugal a sua Administração. Logo, não sendo pertença de  Portugal também não o é de Angola. Mas, como o dinheiro tem muita força e Cabinda é um pequeno território mas imensamente rico em Petróleo, Madeiras Preciosas e se situa junto da Foz do Rio Zaire e faz fronteira com o ex-Congo Belga, hoje República Popular do Congo, qualquer tipo de independência poderia ser uma ameaça a Angola e, como tal, o Governo deste país entendeu que o devia anexar sem qualquer consulta popular. A actual ditadura - é preciso dar nome aos bois - que domina Angola não permite que um Povo com identidade própria aceda à auto-determinação e independência, como foi sempre desde séculos imorredouros, aliás como quis e pela qual lutou durante anos, relativamente a Portugal.
Pelo dito fácil será inferir-se que Angola, sendo um País com enormes potencialidades e riquezas naturais não deixa de ter uma das taxas de pobreza mais elevada do Mundo. Isto não branqueia o que os portugueses fizeram em 500 anos de colonização, mas pode afirmar-se, sem receio de errar, que o neo-colonialismo actual, de Americanos, Portugueses, Chineses e da elite governamental não tenha trazido para a maioria da população a maior indigência e abandono. Luanda é hoje uma das cidades mais caras do Mundo, mais que Lisboa. Pobres dos negros que, se ainda estiverem vivos e conheceram a vida antes do 25 de Abril de 1974, terão imensas saudades da exploração de outros tempos.
Em continuação entraremos na década de 60 do século passado. Fica para a próxima crónica.
Continua ...

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Intimidades (três)!!!???

Continuação...
Ficámo-nos pelos 14 anos anos e pelo que isso representava na vida do adolescente que já se considerava, presunçosamente, adulto. É que a sua independência económica permitia tais dislates. Vivendo em casa dos pais, com o amparo, carinho, educação e valores de uma família tradicional, não dependia deles para viver. O seu ordenado mensal, ainda que revertesse para o "bolo" familiar era mais do que o suficiente para si e para as suas extravagâncias. Até se deu ao luxo de tirar a carta de motorizada e adquirir uma, novinha em folha, que era a sua vaidade e a "inveja" de muitos dos seus amigos. Que era mais um apêndice que permitia impressionar umas miúdas, também elas em fase de crescimento e com vontade forte de aventura, o que facilitava umas idas à praia e os (in)consequentes arrufos de hipotéticos namoricos, inocentes e puros, mas gratificantes para ambas as partes. Mas deixemos este assunto para depois. Contaremos algo mais tarde.
Não sei se os meus leitores se aperceberam, no post anterior que, ao referir alguns, poucos, nomes que fizeram parte da nossa vida só o Carlos Cruz era branco (ocidental) como diz o meu amigo Agostinho. Todos os outros e muitos ficaram por referir, eram negros e, nem por isso, menos amigos e menos cúmplices, pelo contrário. Com todos fizemos muitas aprendizagens, nos divertimos, jogando à bola em campo de terra batida, e outras actividades lúdicas e/ou sociais no Bairro Operário.
Crescemos com a cidade. Isto é, devagar mas de forma consolidada. Os anos passavam e a cidade expandia-se para o interior já que o seu início sempre esteve encostado ao mar. Desde a Baía, que já se referiu, passando pela Praia do Bispo, Samba na parte Leste e pela Boavista na parte Oeste. Depois eram as grandes Avenidas lineares, rectas de mais de 5 Quilómetros, com as respectivas transversais, numa quadrícula feita a régua e esquadro, onde coabitavam as vivendas do Bairro do Café, com os Prédios de cinco ou seis pisos, na sua maior parte, com um ou outro "arranha céu" de 12 pisos, ou mais.
Luanda sempre foi linda pela paisagem mas também pelos seres humanos que a habitavam. No Centro da parte mais antiga ficava a Mutamba, paragem obrigatória de todos os autocarros. Que na altura já abraçavam a cidade nos seus percursos. Eram meia dúzia de Linhas: - A da Maianga que, passando pela Samba e Praia do Bispo regressava ao ponto de partida - Mutamba; A de S. Paulo, mais extensa, que percorria toda a avenida Paiva Couceiro até ao Bairro da Cuca com regresso pelo Bairro de Alvalade até à Mutamba; A da Terra Nova que satisfazia as necessidades dos passageiros da Vila Clotilde, Vila Alice e Estrada de Catete, subindo pela Avenida dos Combatentes e regressando pela Rua Coronel Artur de Paiva; A da Baixa que percorria as ruelas mais estreitas da parte velha onde ficava o único Campo de Futebol vedado, com bancadas, "os Coqueiros", passando pelo Baleizão - a melhor casa de gelados que se podia imaginar na altura - que, de tanta qualidade e importância, aglutinou e fez desaparecer a palavra gelado para, em qualquer parte da cidade, quando se queria pedir este delicioso refresco, se solicitar um baleizão; depois viagens mais curtas para a Vila Clotilde e Vila Alice e Alta da Cidade onde ficava o Palácio do Governador Geral e o Paço Episcopal, bairros populosos e já distantes dos Serviços Públicos como a Direcção de Finanças, Câmara Municipal, Notário, Tribunal e outros Serviços.
Uma panorâmica geral deste Centro Urbano, em constante desenvolvimento, tinha vista privilegiada da Fortaleza de S. Miguel, Monumento Quinhentista de onde, conta a lenda, que Salvador Correia terá amedrontado os Holandeses, já ancorados na Baía com os seus barcos de guerra, que queriam tomar Angola, como sua possessão, em época de ocupação pátria Filipina, apenas com inúmeros capacetes militares colocados em paus junto das trincheiras, pois militares era coisa que não havia. Os Holandeses prevendo as dificuldades em tomar Fortaleza "tão bem apetrechada", deram meia volta e lá deixaram em paz, os poucos portugueses abandonados pela mãe pátria, o que convinha a Espanha.
Nos arredores da cidade havia uma classe de gente, brancos e negros - mais brancos que negros - que faziam o seu negócio, com os milhares de indígenas que se dirigiam ao seu local de trabalho, quase sempre situado no Centro da Cidade e, para o qual tinham de levar os ingredientes para confeccionar o respectivo almoço, alguns enriquecendo  de forma pouco honesta, a quem,  depreciativamente, toda a gente denominava de "fubeiros". Eram tascas que tudo vendiam: desde a fuba para fazer o pirão, passando pelo peixe seco, o óleo de palma, ginguba (amendoim), açúcar, sal, cachaça (aguardente de cana de açúcar) até aos, já referidos, panos coloridos, para servirem de vestimenta. Normalmente, as compras faziam-se a crédito que eram saldadas consoante os soldos ou salários, eram pagos à semana ou ao mês. A confiança entre o comerciante e o cliente era total. Talvez por isso os nativos quase nunca dispunham de dinheiro, não só porque ganhavam pouco, mas também, porque quando o tinham era para uma batucada na sanzala. Os negros tinham da vida uma filosofia muito própria e muito solidária. Quando um tinha era para todos e quando não havia, não havia para ninguém. Daí que a miséria, sim havia miséria e insalubridade, vida muito parecida com aquela que à época havia em Lisboa, nas barracas da periferia. Mas havia uma outra coisa que era preciosa: - era a alegria permanente. A música fazia parte integrante daquela gente. Umas latas velhas, umas cabaças secas, umas cordas de viola, uns reco-reco, um qualquer tambor, eram o bastante para o cantar e dançar até às tantas. Por isso o absentismo ao trabalho era mais que muito e as consequências eram, igualmente gravosas. As condições de trabalho eram precárias e as remunerações mínimas. Tudo isto fazia uma separação física entre brancos e negros, mais devido às questões económicas do que às questões raciais. Tal como acontece, nos dias de hoje, em todas as partes do Mundo onde há separação entre ricos e pobres, burguesia e trabalhadores indiferenciados. Recordem-se os "bidonvilles" franceses.
Mas falemos de coisas mais alegres. O trabalho, o estudo, o lazer faziam parte do quotidiano. O lazer era sempre à noite e ao fim de semana. Sim porque na altura já havia aquilo que se chamava semana inglesa, que se traduzia na folga de sábado de tarde e no domingo todo o dia. Em Portugal ainda não existia esta modalidade. As idas à praia, ao cinema, ao teatro, aos bailaricos e às rebitas (hoje quizombas) eram frequentes e muitíssimo divertidas, numa mistura racial extremamente saudável e muito, muito gratificante. Fizeram-se grandes amizades, algumas das quais ainda perduram e se manifestam em encontros periódicos, nas diferentes partes do País, com relevância para o Norte, de Aveiro para cima.
Progredia-se na carreira e nas habilitações académicas sendo as últimas causa e consequência da primeira. Crescia o nível de vida, em paralelo com as preocupações sociais. Procurava-se conhecer o regime político e suas condicionantes e conspirava-se de forma inconsequente. Pretendia-se uma Angola livre e independente como propunha Cunha Leal, que fora Governador do Banco de Angola, em 1929, seguido pela assinatura do Acto Colonial por Salazar e que fora um retrocesso. Ideias que foram sempre fermentando e tiveram mais expressão com Norton de Matos em 1949 e mais tarde com Humberto Delgado, em 1958.
O nosso jovem que ainda não podia votar - tinha 15 anos - lá arranjou, clandestinamente, uma lista de Humberto Delgado -  para que o pai, como chefe de família alfabetizado, pudesse votar sem ser obrigado a fazê-lo no Candidato da Situação, o Almirante Américo Tomás.
Ainda temos na memória os sloganes eleitorais permitidos pelo regime: "quereis perder as colónias votai em Arlindo Vicente - candidato civil que desistiu à boca das urnas -; quereis a instabilidade e a ditadura comunista, votai em Humberto Delgado; quereis Ordem Paz e Progresso votai em Américo Tomás". É evidente que para um miúdo, que desde cedo se interessou pelo bem comum e pela política nobre e impoluta, estes sloganes não convenciam e mais acicatavam a curiosidade de saber o que se pretendia. Daí a consulta de livros que constavam do "ÍNDEX" - lista de livros proibidos - mas que havia sempre mão amiga que nos fazia chegar.
Todas estas condições poderiam ter transformado este ser ingénuo num activista político inconsciente. Tal não aconteceu porque Durkeim, sociólogo que nos marcou a existência, nos ensinou, desde cedo, que a consciência colectiva se sobrepõe à consciência individual e nós sempre fomos muito ciosos da nossa consciência individual. Daí nunca aceitar fazer parte de qualquer Partido Político, antes ou depois da revolução (Revolução não, Golpe de Estado) do 25 de Abril de 1974, apesar das muitas insistências, apelos e pressões sofridas durante muitos anos.
A descrição vai longa e necessitamos de a tornar mais sucinta, se não, nunca mais saímos daqui e queremos acatar a sugestão do Agostinho, para darmos a nossa visão da cultura íntrínseca de África e dos africanos que, não são, necessariamente, só os negros. Há muitos brancos com alma africana.
Continuamos depois...

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Intimidades (dois) !!!???

Continuação...
Luanda é linda, mais do que a arte do Duo Ouro Negro foi capaz de imortalizar. Com a sua Baía onde se espelhavam os prédios de escritórios e o Banco de Angola. Consegue captar, instantâneamente, o apreço e admiração. Era, na altura, considerada a cidade mais desenvolvida e cosmopolita da África Austral. Pontificavam as peanhas vermelhas onde os sinaleiros (polícias de trânsito) esbracejavam constantemente para regular um trânsito que, não sendo caótico, era bastante intenso. O automóvel já era bastante democratizado, porque era barato. Quaisquer quarenta contos já comprava um utilitário e o vencimento mensal de um Homem - Mulher era, em regra, boa dona de casa, esposa e mãe - espraiava-se por um intervalo de dois contos e quinhentos e os cinco contos, conforme a actividade e a responsabilidade nas respectivas empresas. Estamos a falar de assalariados não sei se deram conta. Os empresários trabalhavam ao lado dos trabalhadores, por vezes mais do que estes e, consequentemente, obtinham lucros mais chorudos. A agricultura era muito produtiva com o café, o sisal e o algodão no topo do rendimento. Por outro lado era sempre efectuada em grande escala, com alguma maquinaria mas, sobretudo, com muita força braçal dos nativos, mão de obra barata que valia pouco mais do que alimentação e uns "panos" coloridos onde se enrolavam os próprios e as várias mulheres que cada um tinha. A poligamia, ontem como hoje, faz parte daquele povo. A indústria era tímida, excepção feita para os cimentos e a refinação do petróleo mas, que o comércio, a pesca abundante e generosa, os transportes e os serviços, procuravam colmatar.
Na época Salazar mandou angariar algumas famílias de agricultores e no planalto da Cela mandou fazer um colonato com casa, máquinas agrícolas, algumas vacas e outros tantos porcos, que foram uma grande ajuda para que qualquer casal trabalhador  pudesse começar uma vida muito mais desafogada do que aquela que deixara na Metrópole ou Puto, como se dizia quando se pretendia referir o pequeno rectângulo pátrio. Chegou a ser uma vila próspera, que adoptou o nome de Santa Comba, em homenagem ao Presidente do Conselho, como era designado, politicamente, na altura. Era abastecedora da cidade de Luanda, que tudo consumia, por albergar dentro de si a maioria da população. Os produtos tinham colocação garantida e fonte de rendimento assegurado.
Esta medida política alterou o paradigma agrícola até então vigente em todo o território angolano, que até aí estava remetido a pequenas fazendas particulares e dispersas pelo "mato". Tudo o que não fosse Luanda era designado por mato.
Havia, depois, cidades menores mas muito importantes, consoante a sua localização geográfica. Desde logo a segunda cidade, o Lobito, o maior Porto Marítimo do território. Mas também Benguela, Nova Lisboa, Silva Porto, Malanje, Carmona, Ambriz, Cabinda, Moçâmedes e tantas outras que mereceriam ser referidas, mas seria fastidioso neste espaço.
O horizonte para o miúdo aldeão mudou tão radicalmente que passou de um espaço mínimo, limitado, confinado, para quase um "infinito" inalcançavel e, muito menos percepcionável.
Havia na cidade, quatro salas de Cinema, que também serviam para outros espectáculos. O Restauração de arquitectura moderna, com écran onde era possível projectar filmes de 70 m/m onde o miúdo fora ver o Ben-Hur e os Dez Mandamentos. O Tropical, sala "sui generis" porque em vez de ser em forma de anfiteatro era como uma sala de restaurante, com mesas de quatro cadeiras cada uma e um palco elevado que permitia a visão a todos os espectadores, sem atropelos, e também comer um petisco e beber qualquer coisa enquanto a fita decorria. O Nacional casa pequena e mais antiga, mais preparada para espectáculos de teatro do que, propriamente, para cinema. Mas as peças teatrais aqui sempre foram vividas entusiasticamente e por ela  passaram artistas como o José Viana, Raul Solnado, Anita Guerreiro, Vera Mónica e tantos outros. O Colonial, no Bairro de S. Paulo, paredes meias com o musseque, que exibia, quase em exclusividade, filmes de Cow Boys. Todas estas salas de cultura, eram frequentados diariamente pela generalidade das diferentes classes sociais - excepção para os trabalhadores braçais que esses, não só não tinham possibilidades económicas, como não tinham interesse, já que a sua cultura, ou a falta dela, os levava para os batuques nos musseques - mas que eram acessíveis para os restantes trabalhadores.
Começa então, uma vida de trabalho e de estudo, para o nosso protagonista. A vida até que não correu mal. Não sendo fácil também não há razão de queixa. Se formos pragmáticos, até os momentos menos bons, fazem parte da história de uma vida que é para recordar, sem mágoa ou ressentimento. Se fosse nos dias de hoje, qualquer criança, ficaria com traumas que nem os melhores psicólogos ajudariam a resolver. À época era tão vulgar que ninguém estranhava, nem os próprios.
O trabalho numa multinacional "Robert Hudson", empresa Inglesa e dirigida por Ingleses, foi sempre gratificante e duradouro. Dez anos de aprendizagens, de conhecimentos, de saberes que se revelaram muito úteis ao longo da vida.
O estudo no Liceu Salvador Correia de Sá e Benevides onde havia colegas como Rui Mingas, Carlos Cruz, que se referem por serem os mais conhecidos do grande público.
Toda uma convivência multirracial salutar, complementada com as tertúlias vividas na Liga dos Amigos de Angola (LAA), primeiro com sede na Associação Comercial de Luanda, na Vila Clotilde e depois na Avenida Coronel Artur de Paiva, na confluência com a Alameda D. João II, com edifício próprio, construído de raiz e, com todas as condições para o funcionamento de uma Associação de referência, na Capital de Angola, onde havia uma Biblioteca de acervo muito variado e vasto, se jogava ao bilhar, snooker, matraquilhos, damas, xadrez e se discutia política, ainda que a medo e em surdina. 
Conviveu-se com Diógenes Boavida, já advogado de prestígio e seu irmão médico, bastante mais velhos mas que não se inibiam de conversar com um rapazola que entretanto crescera e se formara numa base educativa de conduta com Valores, Ética, Atitudes e Comportamentos, relevantes. O mesmo se pode dizer dos Vandunem, do Lara, do Nito Alves e muitos outros que não tiveram, no novo País, o protagonismo que, por direito deveriam ter.
A JOC (Juventude Operária Católica)  foi outra escola importante, a partir dos 14 anos.
Continua...


segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Intimidades (um)!!!???

Estávamos na primeira metade da década de 50 do século XX. Uma criança do sexo masculino, acabado de fazer a 4ª classe, com 11 anos de idade incompletos estava, aparentemente, destinado a ser padre ou, pelo menos, a frequentar o Seminário do Verbo Divino. Vicissitudes várias mudaram-lhe o destino - talvez não o destino, mas o percurso de vida - e segue com os seus pais para África. Angola, mais propriamente e Luanda, especificamente.
Um aldeão de gema vai de comboio até Lisboa onde passa, mais ou menos, oito dias a tratar de documentação necessária, mais as vacinas indispensáveis à sobrevivência em clima Tropical.
Na época o País tinha uma Marinha Mercante pujante com duas Grandes Empresas - Companhia Nacional de Navegação e Companhia Colonial de Navegação - com paquetes de grande porte, para transporte de pessoas e mercadorias. Ainda temos na Memória os nomes de Navios como: Angola; Moçambique; Quanza; Santa Maria; Princípe Perfeito, Infante D. Henrique, Vera Cruz, entre outros. Navios que demoravam entre dez a doze dias para Luanda, Angola e 20 a 21, para Lourenço Marques, Moçambique.
Na altura, Lisboa sendo a Capital do País, era uma cidade pequena, onde os transportes públicos se resumiam a autocarros, eléctricos - os amarelos - e uns, poucos, táxis. Automóveis particulares eram raros. Andava-se muito a pé, por aquela cidade e fazia-se o circuito de um quarteirão da Rua Augusta, com a Rua da Conceição, para o Cais da Rocha, Cais de Alcântara e Hospital do Ultramar, na Junqueira e vice-versa.
O rapazinho vivia estes dias numa azáfama alegre e expectante até ao dia de embarque, que aconteceu num dia cinzento, frio e chuvoso - 4 de Fevereiro de 1954, mais precisamente.
O navio, Angola, era enorme e com odores característicos, pouco agradáveis. Uma mistura de combustíveis  com cheiros de comida e de pessoas pouco dadas à higiene pessoal. Ingredientes propícios ao enjoo mal se passava a barra do Tejo e se entrava em Mar Alto. Em contrapartida, o tempo mudava, de repente, para um Sol radioso, deixando uma visão que se perdia no horizonte, de água com uma ondulação que esbatia no casco do navio, fazendo novelos de espuma cristalina. Nada se via além de cardumes de peixes enormes até à Madeira, a pérola do Atlântico de hoje e que, na altura, não passava de uma ilha de pescadores e artesãos. Não tinha cais de acostagem e o Navio ficava ao largo e as pessoas deslocavam-se à Ilha de bote e eram poucos os que se aventuravam. Mais fácil era para os ilhéus se deslocarem até ao navio com as suas rendas e cadeiras de vime para vender aos passageiros.
Passada uma noite e meio dia, para cargas e descargas, lá se largou em direcção a S. Tomé e Príncipe. Dias e dias sem se avistar nada, excepto algumas baleias que, em jeito de competição, se deslocavam junto ao Navio. Os dias corriam devagar, em passeios da proa à popa, de bombordo a estibordo, com refeições conjuntas, em mesas compridas, que mais pareciam casernas de quartéis.
Chegados a S. Tomé, o ritual fora, mais ou menos, idêntico ao da Madeira, excepto que os ilhéus eram negros. Seguem-se mais dois dias de viagem. Depois, avista-se Luanda. Pelas 6 horas da manhã  dá-se de caras com morros de terra vermelha e o navio reduz a velocidade até quase parar. A ansiedade vai-se apoderando de todos. O calor húmido entranha-se na pele e chega-se, ao fim de duas horas, ao Cais de Luanda.
A acostagem tem pormenores que exigem perícia e parecem uma eternidade a todos os passageiros, até que se começa a descer pelas escadas de corda e madeira que são deitadas abaixo do primeiro piso do navio. Dão-se os primeiros abraços e beijos aos que aguardaram a chegada e trata-se da desalfandegagem da bagagem do porão. Até parecia que estávamos num País estrangeiro - se calharam estávamos e nós é que não percebíamos - e rumámos, numa carrinha de caixa aberta, para o centro da cidade, local onde passámos a residir.
Uma nova vida começa aqui. Junto de um tio e de alguns amigos e conterrâneos.
Continua...

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Mistificação

De uma forma geral, não gosto de alemães. Surgem nos meus arquétipos como esbirros Hitlerianos. Sou injusto, com certeza. Mas que culpa tenho eu de ter nascido em tempo de Guerra provocada por eles?
Sou avesso a generalismos e a generalidades. Dói-me escrever estas palavras, mas sinto necessidade de o fazer, para aliviar o sentimento de frustração.
É que ver um povo que, há pouco mais de 60 anos, ficou sem homens - braços de trabalho e produtividade, à época - passa dos escombros e da destruição a motor da economia Europeia, que quando espirra toda a Europa se constipa. E fico zangado comigo mesmo por não gostar de alemães. No fundo, talvez um bocadinho de "inveja" de uma capacidade organizativa, de trabalho e esforço que não vejo no meu povo, na minha gente. Eventualmente, será isso. Seja o que for, por questão de justiça e de equidade, por análise imparcial não posso deixar de admirar a capacidade de superação deste povo, de que não gosto, reafirmo.
Numa altura em que o Eurostat e todos os Organismos que estudam as Estatísticas que nos regem, mostram que a Alemanha cresceu 2,2% no último trimestre e não se ouve uma palavra de regozijo dos seus governantes, antes pelo contrário, dizem que é preciso fazer mais e melhor nós, por cá, ouvimos um PM que, cada dia que passa mais me enoja a sua presença, mesmo virtual, dizer que "a nossa economia está no bom caminho já que crescemos de forma sustentada, dois trimestres seguidos" - palavras dele - 0,2% . E fico triste. Torno-me melancólico. Parece que me envergonho de pertencer a esta plêiade de gente que vive e convive bem com mistificações, com aldrabices, com demagogia.
Fico revoltado quando tenho conhecimento de que temos no nosso País, mais de cem mil Jovens, até aos 30 anos, à procura do primeiro emprego e estão desempregados há mais de um ano. Ontem, no dia Internacional da Juventude, ficou patente que a taxa de desemprego dos jovens é mais do dobro da média dos restantes desempregados. E, por mais que eu queira não posso ficar indiferente. Porque sendo um velho, quero acreditar que o futuro está nos jovens. Tenho a certeza de que a maioria deles é mais qualificada do que era a minha geração. Então o que justifica esta imoralidade? O que pensa de todos nós a classe política? Quando com as declarações acima referidas vem por-se em bicos de pés com este crescimento miserável. Menos de 6,8% do que era o crescimento anual da década de 60 do século XX, mesmo mantendo uma guerra colonial desastrosa.
Esta gente chama-me mentecapto. Burro. Imbecil. Todos os dias e a todas as horas. E eu não suporto tal. Não consigo. Devia abster-me para viver em paz e tranquilidade, até porque tenho um nível de vida acima da média, mas não posso. Não é do meu feitio demitir-me das minhas responsabilidades e não posso conformar-me com esta situação. Por isso, por não poder fazer mais, escrevo o que me vai na alma e desabafo, expondo-me ás críticas e, porque não, a eventuais discordâncias.
Fica o desabafo sobre as mistificações constantes, frequentes e com tempo de antena que não merecem.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Regresso

Uma semana depois - ausente por motivos de aniversário da minha filha - cá estamos para voltar às nossas conversas.
E não é que, vistas bem as coisas, quase nada mudou. As suspeitas do Freeport em vez de esclarecidas, adensaram-se nos últimos dias. O Procuradores desavindos, uniram-se para defenderem a honra e ameaçam bater com a porta. O PGR incendeia o processo, dizendo que tem "os poderes da rainha de Inglaterra" e outros dislates e vai de férias para a terra natal onde continua a ser respeitado e é convidado, à surrelfa, para um jantar de emergência com o M. da Justiça. De que falaram, nada se sabe.
O País, leia-se o povo, anda distraído com as férias, os incêndios, a volta a Portugal em bicicleta e outras minudências como sejam a (re)privatização do BPN que nos vai custar a todos qualquer coisa como dois mil milhões de Euros. A CGD entrou com cinco mil milhões e os avaliadores do património do BPN não vão além de metade.
Já o BPP vai comer cerca de 500 milhões que foi o aval que o Governo deu e o consórcio bancário já accionou a garantia. Dizem os experts"" na matéria que o património deste "Dona Branca encapotado" não dá nem para metade. O Rendeiro, o empreendedor mais esclarecido deste país de "burros" - escreveu um livro demonstrativo de como se devem gerir potencialidades humanas e financeiras, lembram-se?" continua rico e ufano das vigarices efectuadas.
O PM vai de férias para o Resort mais caro do Algarve onde só de diária paga entre os 300 e os 1000€ É pobrezinho coitadinho. Apetece perguntar: como e quando ganhou tanto dinheiro? Se o seu início de carreira foi com técnico, não superior, na Câmara da Covilhã e depois enveredou pela política onde fez toda a sua vida e, segundo fontes abalizadas, os políticos ganham miseravelmente, o que conduz a uma classe política medíocre e sem qualificações que valham alguma coisa.
Que dizer da expulsão de mais de cem militantes do PS - Partido do Governo - por discordarem das opções dos aparelhistas locais, distritais e nacionais, segundo se consta e é o que vem dizer o Narciso Miranda.
O António José Seguro vem, num artigo de opinião do Expresso último, dizer com todas as letras que os grandes accionistas da PT vão receber um a pipa de massa e não pagam um cêntimo de mais valias mas que os pobrezinhos com meia dúzia de acções não se escapam. No Sol, último, a Catalina Pestana vem dizer que é muito amiga da Alçada e dá-lhe um conselho relativamente ao projecto de eliminação dos chumbos, para nos parecermos com os Finlandeses. E não é que lhe bate feio?
O processo Casa Pia fica mais uma vez adiado e corre o risco de ser totalmente inviabilizado, por irregularidades processuais, que violam o Código do Processo Penal.
Assim vai o País. Pobrete mas alegrete, com férias, festas, romarias e muitos, muitos mortos, nas praias, nos rios, nas estradas e nos incêndios. De resto vai tudo numa boa.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

(Des) Organização

Max Weber - cientista alemão do século XIX e primeiras décadas do século XX - sem receio de errar, pode ser considerado o "pai" da Sociologia Moderna, porque defendeu a Ciência Sociológica Aplicada, às  diferentes sociedades. Dedicou muito da sua vida a estudar a teoria das Organizações e a dar pistas para que estas funcionassem em prol da humanidade. 
Por isso há quem, com alguma displicência, para não dizer com alguma malvadez, porque de forma deturpada e redutora, afirma, sem pudor, que é o Burocrata-Mor do Mundo Moderno. Como se a Burocracia fosse um mal em si mesma. Se aprofundarmos um pouquinho esta questão fácil será intuir que nenhuma sociedade moderna, organizada, vive sem burocracia. Claro que, por ser tão importante na organização social é por muitos aproveitada para, em sentido negativo, ser bode expiatório para muitos males e muitas demoras na resolução de problemas.
Vem isto a propósito de quê? É uma pergunta pertinente e legítima. E, como podem calcular, a resposta não é simples. Por isso, aceitando o repto da Ibel no Post anterior, vamos situarmo-nos em alguns factos concretos e que estão na berra: - O MP e as suas, aparentes, contradições, sobre o caso designado por freeport.
Deixem-me fazer um pequeno parêntesis para informar que é um dos locais que eu gosto de visitar na zona da Grande Lisboa e onde faço compras com frequência.
Feita a declaração de interesses importa voltar à questão. Se a Burocracia não é um mal, pelo contrário, então coloca-se a questão da gestão da mesma.
Primeiro é necessária e fundamental. Depois assenta em bases de funcionalidade e registo para não se cair no blá, blá, inconsequente. Porque "palavras leva-as o vento". Então, quando se fala que a burocracia foi inventada para infernizar a vida do cidadão, nada de mais falacioso. Foi, ao contrário, para defender os seus interesses e ser rápida e eficaz. Mas, como em tudo na vida, há sempre uns burocratas - mangas de alpaca - que se aproveitam de algumas exigências racionais e indispensáveis, para complicar todo o sistema ou sistemas.
Então o que é que terá acontecido para que o caso Freeport tenha causado tanta indignação popular e, até de especialistas?
De forma simples, mas não simplista, quero aqui deixar a minha modesta opinião.
Houve, desde os primeiros passos daquele projecto, algumas vicissitudes que inquinaram todo o processo. Desde logo porque a sua implantação se insere numa zona de Sapal, (ZPE) Zona Protegida Ecológica, onde existem espécies únicas e indispensáveis ao ecossistema aquático-terrestre. É uma zona de repouso e reabastecimento de muitas aves migratórias. Por essa razão a Comunidade Europeia deu um "puxão de orelhas" a Portugal quando ali construiu a Ponte Vasco da Gama e exigiu que houvesse algumas correcções que minimizassem o impacto ambiental, o que custou, a todos nós, uns largos milhões de Euros.
Depois porque antes do pedido de viabilização daquele empreendimento, o ICN (Instituto de Conservação da Natureza) de então, hoje ICNB (acrescentando-lhe a terminologia Biodiversidade), chumbou um projecto de construção de um cemitério que a Câmara Municipal de Alcochete queria construir, porque isso resultaria numa actividade populacional, incompatível com o santuário da fauna e flora locais, segundo parecer dos Técnicos. Por outro lado, o projecto do empreendimento do freeport, foi chumbado pelos Técnicos do ICN, duas vezes, antes de ser aprovado em período em que o Governo, na altura, já não tinha competências para tal, uma vez que se encontrava em regime exclusivo, de gestão administrativa, devido à dissolução da Assembleia da República, por demissão do Engenheiro António Guterres, antes de ter terminado o mandato. Daqui se pode induzir que a Burocracia não foi acautelada, pelo contrário, os decisores aproveitaram, algumas das suas vulnerabilidades, para tomarem decisões contrárias aos pareceres técnicos e, consequentemente, deu origem a, eventuais, atropelos à Lei, suporte fundamental da Burocracia e da Organização Social.
A partir daí foi toda uma Organização Investigativa e Policial que não funcionou, por falta de liderança e de vontade Política, para repor a Legalidade Democrática. É um Juízo de Valor pessoal, mas plausível e legítimo.
Hoje, passados seis anos, vem à tona um conjunto complexo de omissões, de obstaculazição da Justiça e mesmo uma desorganização total que funcionou a favor de quem prevaricou e torpedeou a Lei e a Burocracia. Eventuais crimes prescreveram. Possíveis indícios passaram de prazo e foram mesmo apagados para que não se apurasse a verdade dos factos. Isto tudo é assumido por Investigadores e Magistrados.
Agora que, aparentemente, e só aparentemente, estamos no fim do processo é que os "burocratas" no sentido mais redutor do termo, vêm com mais argumentos para que o Zé Povinho especule, fique na dúvida, desconfie e ponha em causa um dos pilares fundamentais da Democracia, a Justiça. Porquê? Porque a Burocracia no sentido nobre do termo não funcionou, por inoperância dos agentes, abusos de poder e por falta, nítida, de liderança. Logo, ajudando a denegrir uma componente essencial da Sociologia Moderna que é a Burocracia de que nos falava Max Weber.
Apesar do processo não se encontrar em segredo de justiça, não o conheço suficientemente para sobre ele me pronunciar. Mas não será difícil prever que, se o Juiz que vai julgar os arguidos constituídos - até porque os mesmos pediram a abertura do processo judicial e, consequente, este não pode parar aqui - quiser, tudo pode voltar ao princípio. Tem de ir a Tribunal para que este se pronuncie e, este simples facto, pode trazer à tona conhecimento de um conjunto de irregularidades que, não tendo consequências, estou convicto disso, pode trazer esclarecimentos que, até agora, têm estado numa nublosa, útil, a quem prevaricou.
Para terminar importa apenas dizer: ser contra a Burocracia autêntica é pactuar com o facilitismo que permite aos "chicos espertos", os maiores crimes que, nem sequer, nos passam pela cabeça, tal a diversidade de expedientes de que os criminosos de "colarinho branco" são conhecedores.