domingo, 19 de novembro de 2023

Coragem

 Coragem!


O penúltimo domingo do ano litúrgico lança-nos o desafio de viver sob o desígnio do medo ou da coragem, da cobardia ou do medo, da aventura ou do comodismo. E, para suportar esta opção, Jesus deixou-nos a parábola dos talentos. 

É evidente que para os não crentes a palavra de Jesus não diz nada, não representa coisa nenhuma, não tem valor algum. Não sabem o que perdem, mas isso é problema deles, não temos nada a ver com isso. O que não invalida que ela encerre lições para a vida de todos e de cada um de nós. 

Basta atentarmos no que vemos por aí, no domínio individual, mas também nos negócios, na política, na governação da (res)pública. Quem tem coragem, quem arrisca, em regra tem sucesso. Quem se acomoda não passa da cepa torta. Isto é visível nas empresas, nas autarquias, no Estado central. 

O exemplo deste último é flagrante no caso do aeroporto de Lisboa, que há mais de cinquenta anos e depois de muitos milhões gastos em estudos, não se vislumbra nenhuma decisão. 

Nas autarquias assiste-se ao desenvolvimento sustentado de diversos concelhos e a estagnação de outros, muitas vezes vizinhos. 

Nas empresas, não é diferente. Aquelas que apostam na inovação, nos seus colaboradores, prosperam a olhos vistos as outras que se agarram ao estereótipo de que basta ser empresário para ter um estatuto superior e explorar os seus trabalhadores na ânsia do maior lucro, rapidamente passa da estagnação à degradação e à falência. 

Mas as palavras de Jesus também apontam os erros e as virtudes de quem coloca os seus talentos ao serviço do bem comum e, a Sua própria Igreja, é interpelada sobre a forma como desempenha a sua missão. 

A responsabilidade partilhada, hierarquia e leigos, que raramente se põe em prática leva, também, ao sucesso ou ao desastre. 

Não sei se é uma questão cultural do nosso povo ou se são resquícios monárquicos da congregação à volta da Corte, o certo é que a tendência centralizadora dos diferentes poderes é transversal a toda a sociedade. É o centralismo do Terreiro do Paço e de certas regiões, a nível político administrativo do país e o centralismo patriarcal e diocesano ao nível da Igreja. 

Ainda ontem assisti a uma demonstração de um certo tipo de centralismo. Num grande centro urbano e numa determinada igreja há, nos fins-de-semana missa ao sábado (vespertina) e duas ao domingo, uma da parte da manhã e outra ao fim do dia. Ontem, a missa vespertina tinha meia dúzia de gatos pingados como participantes e no final, o pároco avisou que a partir do primeiro domingo do próximo ano litúrgico, deixa de haver missa do final do domingo por falta de fiéis participantes. Na minha diocese há muitos lugares onde há muitos Domingos sem missa por falta de sacerdotes celebrantes e bastantes fiéis que se vêem obrigados a assistir à missa pela televisão. 

Se ouvíssemos o Santo Padre, o papa Francisco que, constantemente nos convoca para estarmos atentos às periferias, aos marginalizados, aos mais desprotegidos, aos mais frágeis, talvez o centralismo fosse minimizado, os marginalizados não se tornassem marginais, os frágeis fossem mais fortes. 

Para isto tudo será necessário perder o medo e arriscar. Não ser cobarde, mas corajoso. Ser produtivo de acordo com os talentos de cada um. Somos capazes de ter essa coragem? 

19/11/2023

Zé Rainho 

quinta-feira, 16 de novembro de 2023

DOR!

 

DOR!

Rosseau dizia que o Homem nasce bom, mas a sociedade torna-o mau. Não é este o conteúdo exacto da sua afirmação, mas na essência, não é muito diferente disto. Não se pretende analisar, concordar ou discordar do Rosseau, pretende-se, sim, olhar para o mundo de hoje e ficarmos chocados com tanta maldade.

As atrocidades no Médio Oriente, na Ucrânia, na Síria, na China, nas Américas, em muitos países de Africa, no próprio mundo Ocidental e civilizado, como se costuma dizer, não podem deixar de nos chocar, ficar inquietos, perturbados com a dor que vemos por todo o lado, em contraponto com a maldade de quem a provoca, de forma gratuita e com total desprezo pela vida e sofrimento humano, com proveito próprio para si e para os seus apaniguados, particularmente, a nível material.

O que levará o Homem a ser tão malvado?

Haverá muitas razões, mas todas elas estúpidas, anacrónicas, impensadas. Desde logo a ânsia de poder, pode ser uma bem forte e muito generalizada. Outra será o dinheiro, o património, o ter, a ambição desmedida. Outra, não despicienda, o meio ambiente em que o Homem foi criado. Outra ainda, a Justiça ou a falta dela, que gera a revolta e a vontade de vingança. Para não falar de um dos sentimentos mais mesquinhos do ser humano que é a inveja. Tudo, defeitos bastantes, para todo o horror a que assistimos e que muitos dos seres humanos vivem quotidianamente.

Sabemos ainda que até as religiões estão na base de muitas dissensões e conflitos. A política tem, igualmente, a sua quota parte de responsabilidade, porque produziu uma mentalidade de nós e os outros, ou os nossos e eles, em que os nossos e nós somos o grupo do bons e os outros e eles são sempre os maus.

Há muito que o egoísmo fez esmorecer o sentimento de generosidade, de solidariedade, de amor pelo outro e isso vê-se no dia-a-dia de todas as sociedades. A consequência, desde logo, é a desagregação da família, que com a separação dos cônjuges, torna a vida das crianças e dos jovens num verdadeiro inferno e num ciclópico esforço de adaptação a diferentes e diversas pessoas e a diferentes e diversas forma e modos de vida.  Com isto não advogamos a manutenção de relações acabadas e conflituais que, em vez de dar estabilidade às crianças, as torna irascíveis, inquietas, impiedosas, mas tão só lastimar o grau de desagregação familiar.  

Mas também a escola que promove a competição exacerbada em vez da colaboração participativa para um bem comum. Ah! Se falarmos no mundo do trabalho e empresarial o problema da competitividade agudiza-se porque só o sucesso e o lucro interessam seja à custa do que for e de quem for.

Há tantos outros sectores da vida social e comunitária que necessitavam de reflexão profunda que levaria muitas páginas a descrever. Mas, com a enunciação de alguns dos problemas candentes é possível concluir que é uma dor de alma tanta maldade, tanta hipocrisia, tanta sede de poder.

Que Deus nos ajude a suportar todos os malefícios e que dê ao ser humano a capacidade de lutar por um mundo melhor nos dias de hoje e, principalmente, no futuro.

17/11/2023

Zé Rainho

segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Urgente!

 

URGENTE!

O mundo das correrias faz-nos acreditar na urgência constante, persistente e premente. É tudo muito urgente. É tudo para ontem. Não há tempo para nada, porque os problemas são mais que muitos e é urgente dar-lhes solução imediata.

Assim, os pais não têm tempo para os filhos e os filhos não têm tempo para os pais, nem hoje nem no futuro que é já amanhã, por isso quase que se pode dizer que se nasce nas creches e se morre nos lares.

Enquanto os filhos são pequenos, adolescentes e jovens, os pais andam num virote a levá-los e a buscá-los aos mais diferentes lugares e espaços. À escola, depois ao estudo acompanhado, ao desporto escolhido por cada um, sempre diferente um do outro, raramente à catequese, o pai para um lado, a mãe para outro, sacrificando descanso, lazer, diálogo, reflexão, para que os seus pimpolhos não se diferenciem dos outros e que pertençam ao rebanho e não se dispersem da manada. O que importa é o padrão e não a diferença.

É muito urgente dar tudo para que o menino(a) não se traumatize. Ir a pé para a escola, ginásio ou local das explicações, mesmo que não distem mais do que um quilómetro da residência, é impensável, pois pode estar sujeito a roubos, a acidentes, a bullying dos colegas ou de outros miúdos. Mantê-los numa redoma, imunes a qualquer tipo de dificuldades, de obstáculos é um dever e uma obrigação paternal, para que o menino(a) viva no melhor dos mundos, nem que para isso os pais sofram burnout, depressão ou qualquer outro tipo de distúrbio emocional.

Nunca, ninguém se questiona sobre para que serve tanta urgência e se esta é assim tão importante.

Neste estilo de vida alucinante haverá tempo para definir prioridades e sensibilidade para avaliar o que é, deveras, importante?

Se isto é inquietante ao nível das famílias não deixa de ser preocupante ao nível da sociedade.

Quando, numa comunicação ao país o senhor primeiro-ministro diz que é urgente decidir sobre investimentos avultados vem-nos à ideia esta questão comezinha: o que é mais benéfico para a sociedade, o que é urgente ou o que é importante?

A urgência na obtenção de investimentos para o desenvolvimento do país pode ultrapassar a importância da legalidade, da transparência, do cumprimento das regras iguais para todos, sem favorecimento de quem quer que seja?

Quando Max Weber estudou e deu ao mundo a teoria sobre a burocracia estaria a pensar em travar as decisões ou, pelo contrário, pretenderia harmonizar as decisões com a defesa do bem comum, do interesse público?

Parece-me que é tempo de conciliar o que é urgente com o que é importante, dando, primazia ao importante e secundarizar o que é urgente para que este não se torne numa inutilidade.

Parece-me, ainda, que é preciso destrinçar muito bem o que é importante para se esbaterem urgências que, de facto, não o são.

Por fim, julgo que toda a sociedade teria muito a ganhar se se capacitasse que nem tudo o que é urgente é importante, mas que tudo o que é importante, raramente é urgente.

13/11/2023

Zé Rainho