terça-feira, 31 de março de 2020

Para Memória Futura


Memória futura
Hoje, 29 de Março de 2020, os números oficiais já mencionam 119 mortes devidas ao covid-19 e ainda a procissão não saiu do adro.
Há estudos arrepiantes que indicam a possibilidade de serem atingidas 100.000 mortes com esta pandemia.
Vivemos numa incerteza preocupante. O amanhã é uma incógnita. Os especialistas dizem que o mundo, quando acordar deste pesadelo, nunca mais será igual. Mas o Homem não tem tendências para aprender com os erros, principalmente se esses erros tiverem dinheiro pelo meio.
Nasci em plena guerra mundial e, em criança, observei as suas consequências em termos de miséria e carência de bens essenciais. De companheiros e amigos que não tinham um par de botas para calçarem. De sapatos nem se falava. Da senha de racionamento de alguns produtos alimentares que a minha terra não produzia. Da alimentação ser quase, exclusivamente, do que a terra dava e na altura em que dava. Quando se acabavam as batatas se comer apenas feijão-frade, quem o tinha.
Assisti a um desenvolvimento impensável nos meus tempos de menino. Constatei que o bem-estar trouxe muita irresponsabilidade, muito desperdício, muito egoísmo, muita falta de educação, de princípios e de valores. Mas, ingenuamente, pensei sempre que já não veria nenhum descalabro pois não se vislumbrava nenhum tipo de guerra mundial. Afinal vejo-me confrontado com esta pandemia que é uma verdadeira guerra com inimigo invisível e sem fim à vista.

quarta-feira, 25 de março de 2020

Pandemia

A pandemia do Covid-19 está a mudar as cores da vida a nível mundial e Portugal não é excepção. Temos constatado isso mesmo ao longo dos últimos dois meses mas hoje, dia 24 de Março de 2020, com a informação de que atingimos 43 mortos cerca de três mil infectados fica mais clara a raiz e a profundidade do problema.
O País está, literalmente, parado. As fronteiras, todas as fronteiras, terrestres, marítimas e aéreas estão fechadas. Estão as nossas e as da maioria dos países o que quer dizer que não há movimentação de pessoas. O território está, igualmente, fechado, espartilhado, condicionado. A maioria da população não pode sair de suas casas. Há oito dias que foi declarado o Estado de Emergência. O Presidente da República, Professor Marcelo Rebelo de Sousa, no seu decreto presidencial declara que este Estado de Emergência não encerra a democracia mas, o que se sente na vida do dia-a-dia das pessoas é que a democracia também ficou fechada na casa de cada um.
Os filhos não podem ver os pais e os pais não podem ver e visitar os filhos e os netos. Já chegámos ao limite de não se poderem visitar os doentes internados nos mais diversos estabelecimentos de saúde ou de apoio social. Nem mesmo na morte se pode acompanhar os entes queridos que tenham falecido nesta época fatídica, independentemente de o falecimento ter sido por motivos da pandemia ou de outra doença qualquer.
Segundo o Governo a estratégia de ataque ao vírus vai ser alterada a partir das zero horas do dia 26 de Março. Não se sabe como é que essa estratégia vai ser concretizada. Não se sabe se há condições físicas. Se há recursos humanos e materiais suficientes para tal. A dúvida é legítima, pois há cerca de quinze dias que todas as consultas médicas das mais variadas especialidades foram canceladas no Serviço Nacional de Saúde mas também nas clínicas privadas, e agora, por decreto, vai tudo funcionar?
Por outro lado, impõe-se a pergunta: - Se é necessário tomar uma qualquer medida porque é que ela só tem efeito passados alguns dias depois de decretada? O vírus espera? Aconteceu isto quando foi decretado o encerramento das escolas e acontece agora em cada uma das medidas que é tomada a conta gotas.
Estamos muito apreensivos. Com o surto pandémico e com a paragem da produção nacional a todos os níveis. Agricultura, pesca, indústria, serviços, turismo e todas as actividades económicas. Temos sentido que, ano a ano temos vindo a empobrecer devido a políticas de governantes incompetentes e mesmo corruptos. Agora com esta desgraça apocalíptica que nos caiu em cima dificilmente nos livraremos de uma recessão que vai trazer mais miséria, mais fome, mais doença, mais morte.
Vamos, sempre que tivermos disposição, voltar a este assunto que deixamos aos que nos lêem mas também para memória futura de quem está a viver todas estas situações calamitosas.

quinta-feira, 5 de março de 2020

A TEIA



Se nos lembrarmos da técnica e da qualidade da teia que a aranha faz, com seus fios viscosos, para apanhar as suas presas e associarmos à tecelagem de tecidos vemos que há laços, nós, fios condutores e secundários, que numa dança artística se entrelaçam para resultarem numa verdadeira obra de arte.
Se transpusermos esta figura de estilo para uma estrutura, um organismo, um clube, um partido político, uma religião e adicionarmos o conceito de enredo, de intriga, temos um caldo de condições para se desenvolver, até ao infinito, uma panóplia de situações e condições para o domínio, a submissão, o aprisionamento de pessoas, instituições e presas fáceis de aniquilar.
A sociedade portuguesa – muitos dirão, mundial – mas, na circunstância, interessa-nos aquela em que nos inserimos, que está mais perto de nós, que nos afecta mais directamente, encontra-se, de há umas três ou quatro décadas, envolvida numa teia de interesses, compadrios, corporações, quer políticas, quer profissionais, que aperta e sufoca sempre, mais e mais, todos aqueles que estão fora desses grupos e estrutura organizadas.
Quando essas teias são meticulosamente urdidas por gente sem escrúpulos, sem valores morais, sem princípios éticos, resultam não em obras de arte mas em emaranhados, que dificilmente se descobre o autor ou autores da TEIA.
E, como no exemplo da teia de aranha, quando mais a presa se debate – aqui as presas somos todos nós, cidadãos de bem, fora do guarda-chuva do poder – mais se enreda e mais aprisionada fica, esgotando suas forças, numa luta titânica, mas inglória, perante os fios e os laços que tudo podem e tudo corroem.
Assim nós nos encontramos. Vemos indivíduos que há quarenta anos não passavam de pés rapados, a viver no luxo, na vaidade, no esbanjamento, com propriedades, férias e ostentações diversas, desenterrando cofres abarrotados de dinheiro a cada pé de passada. Vemos donas de casa que, na generalidade da sua classe são as mais sacrificadas e as mais pobres dos pobres, com fortunas incalculáveis cujos números de milhões até custam a pronunciar. Vemos processos judiciais a prescrever deixando aos bandidos, corruptos, ladrões que, usurparam, roubaram, extorquíram, bens a pessoas e instituições, o produto do esbulho e nada lhes acontece.
Assistimos a corporações profissionais que, deontologicamente, tinham a obrigação de denunciar tropelias de tão alta envergadura, a entreter-nos com um qualquer tipo de vírus ou pequenas questiúnculas ou violência entre grupos marginais e de pequena marginalidade.
Damos conta de uma justiça que não funciona, que funciona mal, a destempo, parcial, cega, surda e muda perante tanta e tão gigantesca tropelia enquanto o povo morre na urgência de hospitais públicos, por falta de assistência ou é, pessimamente, tratado em macas nos corredores por falta de condições, espaços e profissionais.
Assistimos, incrédulos, a um constante aumento da dívida pública que todos nós, os nossos filhos e netos, teremos de mais cedo ou mais tarde, pagar e não se passa nada. Não há sobressalto. Não há inquietação.
Vemos, com regularidade e muita frequência, o abandalhamento, quando não mesmo de violência extrema, de profissionais pilares da sociedade, como é o caso dos professores, profissionais de saúde e até magistrados e não acontece coisa nenhuma.
Que sociedade é esta? Em que teia se deixou enredar? Será que consegue dela sair?