sexta-feira, 29 de maio de 2020

PANDEMIA


PANDEMIA!
Em tempos de pandemia este interior profundo tem sido um oásis, um paraíso, sem casos, sem aflições excepção feita às contingências que a faixa etária elevada traz acoplada.
Desde 11 de Março que temos a lamentar a morte, por suicídio do Ti Herculano no passado Domingo de Páscoa, o AVC que deu ao José Tarrinha (Tan Tan) que, ainda hoje se encontra hospitalizado com prognóstico reservado e ontem a notícia de que o Domingos Brito (Pinta) estava infectado com o Covid-19, assintomático, em quarentena e confinamento na habitação.
Qualquer destes episódios é de um dramatismo incomensurável.
No primeiro caso o suicídio leva-nos a reflectir e a questionar sobre quanto seria o desespero para um homem com mais de noventa anos se suicidar por enforcamento. Quanta dor física e, porventura, espiritual deve ter assolado uma pessoa que era afável com toda a gente, vivia confortavelmente com a sua esposa de uma vida e que, aos olhos de todo o povo não teria razões para ter tomado tão drástica decisão. Acresce que, sozinho, preparou na sua adega todo o artefacto necessário ao enforcamento. Forte dor desespero, solidão. Só pode ter sido.
No segundo caso é um acontecimento próprio de um território desertificado. Não se vê ninguém, nem no povo, nem no campo. Está tudo velho e, consequentemente rareiam os contactos. O Zé foi para o campo sozinho. A sua esposa foi para a França para consultas e outras actividades relacionadas com filhos e netos. Ninguém teve conhecimento de que o Zé tinha ido trabalhar para o campo. Ninguém se apercebeu que faltou em casa para almoçar. Ninguém deu conta de que poderia estar a passar-se algo de anormal mas estava. Segundo se sabe por indicações clínicas deu-lhe um AVC logo pela manhã (nove horas) e esteve incontactável até ao anoitecer. Foram os filhos de França que ao fim do dia, desesperados por terem feito imensas chamadas não respondidas para o telemóvel do pai que decidiram telefonar a uma vizinha para tentarem saber o que se passava. A vizinha procurou no terreno onde sabia ser habitual o Zé ir com as ovelhas e deu com ele inconsciente e semi-paralisado do lado esquerdo. Chamou o INEM que o conduziu ao Hospital da Covilhã onde ficou internado desde há 15 dias.
Desespero é o da mulher e dos filhos que tiveram que pedir um documento ao Hospital para os deixarem atravessar as fronteiras de França, Espanha e Portugal que estavam e estão fechadas, devido à pandemia e agora são confrontados com o impedimento de visitar o seu doente. Apenas sabem dele através do telefone o que não é muito confortável mas, a segurança profiláctica assim o exige, Um problema complicado.
Ontem aparece a notícia de que havia um caso Covid-19 no concelho de Penamacor o que deixou toda a gente em alvoroço. Nunca se pensou ser possível. Era já noite quando se soube que o caso reportado era da Meimoa. Bastante mais tarde soube-se quem era.O Domingos é um doente com outras co morbilidades que tem tudo para um desfecho trágico. Tem graves problemas pulmonares, prostáticos, asma, psoríase entre outras.
Está confinado em casa mas não tem ninguém que o apoie. Vive sozinho. Só tem contactos com uma irmã que vive na Covilhã. Não sabe dos filhos nem dos netos. É viúvo. É um praticante da seita religiosa Jeová. Não se lhe conhecem pessoas de suporte. Não é assistido pelo Centro de Dia, por escolha própria. Não tem nenhum parente próximo que viva nesta aldeia. Só convive, pouco, com um pequeno grupo de ex-emigrantes que jogam a “petanca”. Este grupo vai fazer hoje, segundo se consta, o teste ao Covid-19. Espero que não seja mais uma desgraça.
 28 de Maio de 2020.

terça-feira, 12 de maio de 2020

Humildade


A HUMILDADE

Neste dia de quinta-feira santa, dia em que Cristo nos deu a maior lição de humildade que pode haver no ser humano ao lavar os pés aos seus discípulos temos obrigação de reflectir sobre o assunto.
O egocêntrico tem razão de ser? É gratificante viver sem o outro? Não é solitário? Podíamos continuar a questionar o modo de vida nestes tempos. Mas basta pensar que temos vivido como se fossemos pequenos deuses. Tudo podemos. Tudo decidimos. Não olhamos aos sinais que nos têm sido dados nestes últimos tempos. Os furacões que tudo destroem. Os incêndios que ceifam vidas e deixam outras em suspenso porque levaram tudo o que foi construído durante décadas. Os sismos que tudo derrubam como se de castelos de cartas se tratasse e tantas outras catástrofes a que temos assistido impotentes e incapazes de lhes por termo.
Como a ciência humana se desenvolveu e continua a desenvolver rapidamente muito boa gente transfere o sentido de transcendência para a imanência científica. Temos aprendido muito pouco apesar da ciência.
Hoje podemos constatar que um ser não vivo desprezível, invisível mostrou, de repente que é capaz de derrubar um paradigma civilizacional em duas penadas.
Infecta, difunde-se, multiplica-se com a ajuda preciosa do hospedeiro e coloca o mundo da cabeça para os pés. É resistente o suficiente forte para matar sem piedade e arrasa com qualquer economia por mais poderosa que esta seja.
Dizem muitos estudiosos que vivemos uma situação de guerra sem inimigos visíveis e todos sabemos os malefícios de uma qualquer guerra. É a perda de vidas mas é também a carência de toda a ordem. Carência de saúde, mas também de alimentação e tudo aquilo a que nos habituamos a chamar bens essenciais. Passamos de uma vida de luxo e desperdício para uma vida de miséria e fome.
Vamos ver se, depois de passar esta calamidade, cada um de nós mas também os governantes do mundo inteiro tiram algumas ilações e lições para o futuro.
Vamos ver se sobressai a humildade para estabelecer pontes em vez de muros. Para criar modelos de sociedade onde ninguém fique para trás. Para que o coração se sobreponha à razão no que respeita aos bens materiais e as sociedades passem a ser mais solidárias, mais amigas do semelhante e da natureza.
Oxalá assim seja.
Meimoa 10 de Abril de 2020
Zé Rainho