quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Intimidades (Dez) !!!???

Continuação...
Iniciámos o Curso do Magistério Primário no Fundão em 1976. Um trintão casado com duas filhas no meio de uma juventude, mais ou menos perdida, inquieta e descrente. Uns porque não tiveram pachorra para fazer o ano propedêutico de acesso à Universidade. Outros porque não viam outras saídas profissionais, dada a carência de empregabilidade e à instabilidade política. Numa coisa nos pareceram todos consonantes: empenho, dedicação, estudo, solidários, companheiro(a)s, respeito pelo outro, alegria de viver.
Éramos 56 alunos. Duas Turmas. Cada um com seu percurso de vida diferente e habilitações académicas de base diversificadas. Uma meta final para todos: acabar o curso e ser professor.
Os leitores poderão, legitimamente, questionar: onde estava a vocação? Porventura não havia, se considerarmos vocação como sacerdócio, missionarismo. Mas uma certeza foi-se adensando na cabeça de cada um de nós estávamos a aprender para sermos os melhores e os mais inovadores professores primários deste País. Reparem que escrevi Primários e não usei outros epítetos mais ou menos sucedâneos. E usei Primários no sentido objectivo de Primeiros, de Basilares, de Fundamentais, por isso dignos do respeito e da consideração de todos os Portugueses. Lembrar que ninguém chega a Catedrático sem ter passado pelas mãos de um Professor Primário. Uns melhores outros piores, como em todas as actividades profissionais, mas muito dignos e credores de toda a Sociedade.
A Escola era um exemplo Nacional. Pela inovação, pela exigência e pela qualidade. Os Professores nem todos tinham a qualidade científica e pedagógica que seria a desejada mas, a maioria era de altíssima qualidade. Tinham sobretudo, de forma generalizada, uma qualidade: davam liberdade ao aluno ou grupo de alunos de experienciar novas formas didácticas, desde que fundamentadas, cientificamente.
Os alunos, na sua maioria, eram de uma aplicação, a todos os níveis, notável. Apesar de virem de pontos diversos como o concelho de Belmonte, Covilhã, Penamacor, e Fundão, como é óbvio, todos nos juntávamos nos mesmos lugares para nos divertirmos e estudarmos. Coisas novas como a Linguística, Movimento e Drama, só para citar algumas matérias diferentes. Convidámos, de acordo com a Direcção da Escola os maiores escritores infanto-juvenis, da Natércia Rocha ao António Torrado, para com eles debatermos formas de abordagem e incentivo à leitura.
Fizemos feiras pedagógicas com a duração de oito dias, sem gastarmos um tostão ao erário público, apenas com o voluntarismo e a captação do Público. Desenvolvemos actividades de publicitação dos trabalhos desenvolvidos com os alunos, como corso carnavalesco com materiais recicláveis, reuniões de pais amplamente participadas. Tudo novidades para a época.
Foram três anos de muito trabalho, muita diversão, muita cumplicidade e, sobretudo de muita aprendizagem e muita amizade. Ainda hoje está patente essa amizade no almoço anual que fazemos desde o primeiro dia depois do fim do curso. Não vão todos ao almoço, por razões próprias de uma vida muito agitada. Mas vão sempre bastantes e é sempre uma enorme alegria. Recuamos trinta e tal anos em cada almoço anual que fazemos.
Importa referir que tínhamos na turma uma colega que, tendo sido regente, lhe foi dada a possibilidade de ser Professora Oficial, bastante mais velha que nós. Tínhamos outra colega casada que, por ser mulher pouco liberta dos tabus existentes, não deixando de ser cordial, não entrava na nossa camaradagem. Quanto a nós, desde o primeiro dia e não me perguntem porquê, sempre fui considerado por todo(a)s como o decano e aceite em todas as diatribes próprias de qualquer estudante.
Poderia contar inúmeras histórias umas mais soft outras mais revolucionárias que culminaram com uma carta reivindicativa ao Ministro da Educação Sotto Mayor Cardia que mereceu uma inspecção rigorosa à Escola e um aperto aos alunos que os colegas apontaram como representantes ainda que todos assumissem a respectiva responsabilidade. Deu em nada e foi mais uma vitória para a nossa Escola, que outras seguiram por todo o País.
Havia simpatizantes e até militantes de todos os Partidos Políticos mas isso nunca foi impeditivo de uma sã e democrática convivência.
Como queremos acabar com este post esta série, vamos saltar por cima de muitas coisas fantásticas que vivemos e vamos directamente para o início da profissão. Primeiro na telescola (um ano); depois no ensino primário (um ano); seguiu-se Alfabetização e educação de adultos (dois anos). Mais cinco anos no ensino primário, sempre na mesma escola o que permitiu levar dois grupos do 1º ao 4º ano de escolaridade com sucesso quase total. Uma incursão pela Educação Especial e depois uma chamada à DREC (Coimbra) para desempenhar funções técnico-pedagógicas.
Todas as actividades foram gratificantes e deixaram imensas saudades. Fizemos imensas aprendizagens por todas as experiência pedagógicas. Sentimos necessidade de, para progressão na carreira mas também para realização profissional, de nos licenciarmos em ciências da educação com especialização em deficiência mental motora e fazer um mestrado em educação com especialização em didáctica das ciências.
Quando entrámos para o Magistério já tínhamos 13 anos de serviço que com as bonificações do serviço militar ultrapassava os 15. Mas para a carreira de professor isso nunca contou para nada. Porém ao abrigo do Estatuto da Carreira Docente de 1986 consegui atingir o 10º Escalão quando perfiz 26 anos de serviço docente. A seguir pedi a aposentação. Tinha 60 anos. Descontos para a Caixa Geral de Aposentações 42 anos e 8 meses.
Nada fiquei a dever ao trabalho e sempre demonstrei junto dos meus pares o meu profissionalismo e dedicação á causa pública.
Gosto imenso de ser Professor. Hoje posso dizer que, afinal, fora sempre a minha vocação. Continuo com o bichinho. Dou aulas em regime de voluntariado nua Universidade Sénior. Quero continuar a ser útil ao meu próximo. Recebi dos meus avós e meus pais valores éticos indispensáveis. Recebi e recebo dos amigos uma dedicação e uma disponibilidade sempre muitíssimo gratificante. Recebo da minha família alargada, cunhados, sobrinhos, da minha mulher e das minhas filhas as mais gratas manifestações de amor e carinho. Que mais eu posso exigir da vida? Nada. Apenas saúde e paz.
Conclusão: Começámos  uma história de um rapaz de 11 anos. Acabamos com um "velho" de quase sessenta e sete. Vivi uma vida que valeu a pena.
Fiz deste espaço um confessionário. Agradeço a todos os leitores os comentários simpáticos.
Vamos partir para outra.

4 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Este foi o período em que te conheci. Eu um adolescente ainda a piscar o olho à vida, tu já com família e um histórico (o narrado até aqui) que não passava pela cabeça de ninguém. Mas foi um bom período para todos, e creio que, nesta fase, te reconciliaste, de certa maneira, com as coisas.
    Zé, foi gostosa a tua viagem, mas fico com a sensação que ficou muito, mesmo muito, por contar. O que se compreende.
    Deixo-te os parabéns pelo percurso de vida que soubeste construir, num caminho em que a dignidade e a força de carácter estiveram sempre presentes.
    Zé, é um prazer ser teu amigo.

    Um grande abraço

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  3. Agostinho,
    Para mim é uma dádiva contar-te entre os meus amigos. Pela tua seriedade e postura na vida. Pela tua doação e cumplicidade.
    Como sempre, tens razão. Ficou muito por dizer. Fi-lo sem mágoas nem rancores. Achei por bem terminar para não se tornar monótono, para os eventuais leitores que não me conhecem, pessoalmente.
    De qualquer forma foi uma tentativa de Revisão de Vida.
    Sou dos que entendem que podem tirar-nos tudo, podemos perder tudo mas, jamais, nos tirarão aquilo que vivemos.
    Obrigado meu amigo pelo teu apoio.
    Um Forte Abraço e Bom fim de semana.
    Caldeira

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  4. Uma epopeia, a História vivida na primeira pessoa, com os inconvenientes (poucos) e vantagens (muitas) inerentes.
    Ainda bem que quis vir ao "confessionário" e eu senti-me bem no lugar de "confessor". Daqui lhe envio a "absolvição", agadecendo a partilha que quis fazer com os Amigos. Senti que entrei nalguns episódios pois, como já conversámos por email, as nossas vidas correm bastante próximas, sem nunca se encontrarem, até um dia lá em Penamacor.
    Caro Amigo e Professor Caldeira, bem haja! Que Nosso Senhor continue a guardá-los sob a Sua Bênção. Pode crer que apreciei deveras o que li e conto voltar sempre e sempre.
    Abraço fraterno

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