quinta-feira, 24 de setembro de 2020

PADRÃO SOCIAL!

 


Esta coisa dos velhos pensarem é uma cavalgada que nos deixa exaustos. Não porque canse o cérebro mas que aperta e dói o coração.

Sim, por que pensar não é apenas um acto displicente de cogitar. É muito mais do que isso. É intuir, inferir e concluir. Intuir sobre o modo, o processo e o resultado. Inferir sobre as circunstâncias e condições de aplicação do método. Concluir, para o bem e para o mal, se o modo e o processo foram bem escolhidos, melhor aplicados, para a obtenção dos melhores resultados.

Até parece que estamos para aqui a dar lições de sociologia mas é puro engano. Queremos, apenas, analisar o paradigma da vida dos concidadãos da nossa geração e das gerações que de nós nasceram.

Somos produto de um tempo e uma circunstância particular porque nascemos em plena segunda guerra mundial. Somos filhos homens e mulheres que nunca tiveram tempo de ser meninos, como diria o Soeiro Pereira Gomes, logo, trabalhadores que não foram à escola, nem tiveram oportunidades na vida, que lhe permitisse alargar horizontes. A maior parte dos nossos progenitores ou foram trabalhadores rurais, ou operários indiferenciados, com vidas plenas de dificuldades de toda a ordem, económicas, sociais, educativas. Fruto do seu tempo, a sociedade era patriarcal na ordem e no poder e matriarcal na dedicação, na superação e no amor.

O homem, chefe de família muito alargada - chegando muitas vezes à dezena de filhos - no desespero e miséria dos dias, não raro beberrão, para esquecer as agruras da vida, chegava a casa e, em vez de carinho, distribuía impropérios ou mesmo lambada, pelos que dele dependiam, mulher e filhos. Não foi numa casa destas que eu nasci e me criei, bem pelo contrário, mas estamos a falar de padrão social e não de casos particulares.

Daqui se infere que os nossos pais que só aprenderam a trabalhar, nos deram a nós, a possibilidade brincarmos, de irmos à escola e, pelo menos, fazer a quarta classe o que, só por si, num país de analfabetos, dava a possibilidade de aspirar a um emprego, ainda que modesto, em empresas, quase sempre familiares e até no Estado, nos escalões mais baixos da hierarquia, já se vê. Mesmo assim foi um salto qualitativo no elevador social.

Por sua vez, a nossa geração – quando falamos em geração falamos num horizonte temporal de vinte e cinco anos – procurou dar aos filhos todas as possibilidades que, mesmo assim, nós não tivemos. O nosso grande objectivo era proporcionar todas as condições para que os nossos filhos pudessem frequentar a Universidade e, na circunstância, a Universidade de Coimbra, por ser a que mais prestígio carreava junto da opinião pública, sem nenhum desprimor para as outras existentes, Lisboa, Porto e Évora, como é óbvio. Era apenas aquela percepção intuitiva e pouco substantiva da coisa, mas por alguma razão se dizia na época, que Coimbra era a terra dos doutores.

Como somos a geração do princípio da emancipação da mulher, pelo trabalho fora de casa, pelo aparecimento da pílula anticoncepcional, do Maio de 68, da paz e amor, do é proibido proibir, criámos os nossos descendentes com bonomia quando não, mesmo, com alguma lassidão, o que teve, como consequência imediata, a instalação de um certo egoísmo, porque quem não foi habituado a sacrificar-se, a partilhar dificuldades, mas também haveres, não se habitou a dar.

O que se assiste então: os pais de hoje dão tudo o que de material existe aos seus filhos, menos atenção e carinho. É mais fácil ver-se na rua um casal a passear o seu “bobi”, vestido e bem atrelado do que encolar uma criança. É frequente assistir-se a que os pais se concentrem em rodas de amigos até aos minutos finais antes da creche fechar para, no último minuto ir buscar o seu filho que ali deixou, muitas vezes ainda a dormir e o recebe também a dormir, estando o maior tempo possível longe dos seus rebentos. Talvez haja aqui algum exagero mas não me digam que não conhecem casos destes e só eu é que os vejo? Isto para não falar nos pais abandonados, sós, muitas vezes doentes ou depositados em lares clandestinos, por serem mais baratos e com menos condições. Também sou só eu que vejo?

O que virão a ser os nossos netos? É uma pergunta que me martela constantemente a cabeça e para a qual não encontro resposta. Dizem por aí que a geração dos quinze aos vinte e cinco é a mais bem preparada de sempre. Será? Preparada em quê? Porque tem diplomas? Onde estão os valores, a ética, a moral, os costumes, a tradição na inovação?

Não há muito ouvi uma jovem que estava a concluir o ensino secundário que, quando questionada sobre o que queria seguir respondeu categoricamente: “quero ser Juiz, porque se ganha muito dinheiro”. Atente-se no fundamento da aspiração.

Já o dissemos e repetimos. Estamos a falar de um padrão social e não de casos particulares que, felizmente os há e são bastantes, onde existe o inverso disto mesmo. Há altruísmo. Há solidariedade. Há amor ao próximo. Há honestidade.

Merecia maior aprofundamento este assunto mas o tempo e o espaço são escassos, por isso ficamos por aqui.

Estão a ver porque pensar é exaustivo?

23/09/2020

Zé Rainho

 

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