TRALHA!
Passamos a vida a guardar coisas. São papéis, são objectos
com maior ou residual valor material, são peças de vestuário, de decoração ou,
simplesmente, coisas banais repletas de inutilidade e, de um momento para o
outro, vemos que temos a casa, o quarto, a sala, ou qualquer outra dependência,
atulhada de tralha. Tralha que é preciso descartar porque deixa de haver espaço
para coisas novas, mais ou menos necessárias, mas que a renovação e o mundo
consumista exige.
E, de repente, questionámo-nos: para quê tanta coisa?
Quando somos velhos levamos a pergunta mais longe: Porquê e
para quem vai servir esta tralha quando eu morrer?
Uns dirão que serão para os filhos. Outros para os netos.
Porém, poucos ou nenhuns se questionarão sobre a mesma questão quando, por
vicissitudes da vida, não houver descendentes directos, ou mesmo indirectos, que
venham a usufruir de tanta acumulação de coisas materiais.
Temos, para nós, que há muito boa gente que passa a vida
inteira a privar-se do que a faria feliz para aferrolhar, para acumular para o
futuro. Não, que tal atitude seja por nós criticável, mas a efemeridade das
coisas materiais, na perecibilidade do mundano nos parecia mais adequado, mais
ajustado. Que tal apostar mais em si mesmo, nos seus, no quotidiano, na
comunidade, nas pessoas em geral, de forma a aproveitar melhor os bens que
podem trazer mais felicidade a todos?
Preocupamo-nos, demasiado, com a matéria perecível e
negligenciamos o que é perene, o que nunca morre. Valorizamos a imanência e
esquecemos a transcendência.
Muitas vezes
esquecemo-nos de que não levamos nada para a nova dimensão e que, mais
importante de tudo não será deixar bens, mas será deixar memórias do que fomos,
do bem que fizemos, das amizades que construímos e preservámos, das relações
afectivas que estabelecemos e que serão lembranças prazerosas.
Santo Agostinho, um homem sábio, culto, que teve a sorte, mas
também a lucidez, de aprender com os próprios erros, é um bom exemplo para
arrepiarmos caminho, com a certeza de que nunca é tarde para o fazer porque,
como diz o Evangelho, haverá mais regozijo no Céu por um pecador arrependido do
que por cem justos que não necessitam de arrependimento.
Não se pretende dar conselhos e muito menos lições a quem
quer que seja, mas pensando na tralha que mais dia menos dia temos de nos
desfazer, talvez fosse avisado encher o nosso coração de amor, de tolerância,
de compaixão, particularmente para com aqueles que nos estão mais próximos e
mais frágeis.
Porventura uma escuta mais atenta, uma palavra de apreço,
consolo, no momento de dor, seriam jóias a coleccionar.
Como Santo Agostinho, eu pecador me confesso: preciso de
mudar muito a minha forma de estar na vida para cumular tesouros no Céu. Libertar-me
da muita tralha que tenho espalhada pelos diversos cantos da casa e, quiçá, no
meu coração.
07/11/2025
Zé Rainho