sexta-feira, 30 de julho de 2010

Civilização

 A Politica é anterior à cidadania e esta define-se, essencialmente, como um processo permanente de aquisição e exercício de competências: O primeiro indicador da política como recurso da capacidade humana para enfrentar desafios fundamentais para a sobrevivência humana. O aparecimento dos Estados. A política insere-se, assim, na realidade omnipresente do Estado. Se não pode haver cidadania sem Estado já a inversa não é verdadeira. Pode haver Estado sem cidadania.
Daqui se pode intuir que a política é mais antiga que a cidadania. É também verdade que houve, ao longo dos séculos, o aparecimento de cidadania que conviveu com longos eclipses periódicos da mesma.
Se a cidadania já vem da Grécia Antiga, no sentido moderno do termo esta só apareceu há cerca de dois séculos, mais concretamente com as revoluções americana e francesa nos finais do século XVIII.
Estas revoluções vieram demonstrar que não há cidadania permanente nem espontânea. Esta precisa e exige um enorme esforço de experiência e aprendizagem, colectivo e individual, consoante e permanente.
Nascemos seres humanos e tornamo-nos cidadãos. Para tal tal é preciso um enorme investimento na educação e na aquisição de competências. Por exemplo é preciso educar cidadãos capazes de compreender as Leis, de equilibrar direitos e deveres, de pagar impostos, de cumprir serviço militar, de eleger e ser eleito e, para que estas vicissitudes fossem alcançadas a Europa (excepção feita a Portugal) investiu, desde o século XIX, na alfabetização e instrução pública. Com erros e omissões, é certo, mas fê-lo com denodo e empenho.
Criou, desta forma, uma civilização diferenciada com características únicas na História. Permitiu a ascensão social de todos os homens/mulheres - salvaguardando-se a discriminação de que estas ainda hoje são objecto - mas, mesmo com defeitos, ainda se não conhecem condições melhores. Como diria Churchil "a democracia é o pior regime político do mundo, só que ainda não consegui descobrir nenhum melhor do que ele".
Mas a verdade é que nem a democracia nem a cidadania são dados adquiridos para todo o sempre e, consequentemente, estar atentos é indispensável.
Analisemos algumas situações recorrentes na vida social.
1. Se, por acaso, ou infortúnio se se assistir a um acidente de automóvel com intervenção de dois veículos, apesar de vários mirones que dão palpites sobre o que se passou, se os intervenientes não se entenderem e quiserem testemunhas para levar o caso à Justiça, o que nós vemos: com álibis mais ou menos esfarrapados todos, salvo raras e honrosas excepções, todos negarão. Sabemos que a Justiça é lenta e incomoda o cidadão por várias vezes e com total desprezo pelo cidadão. Mas será isto o suficiente para esta recusa?
2. Se são visíveis sinais de violência doméstica na casa ao lado da nossa o que fazemos? Usamos o velho e obtuso ditado popular: "entre marido e mulher não metas a colher" e, frequentemente, esta negligência e comodismo dá origem a mortes, violações e episódios do mais degradante que o Ser Humano é capaz de suportar;
3.Num Prédio de uma pequena cidade de pouco mais de 30.000 habitantes, com prédios de 4 ou 5 andares o que é que assistimos: o vizinho do 1º andar não conhece, não cumprimenta, não fala com o do 3º, este com o do 2º e por aí adiante. Onde pára o conceito de família alargada sentida e vivida no meio rural da 1ª metade do século XX, onde qualquer vizinho, parente afastado ou próximo, se encarregava de proteger as crianças enquanto os pais labutavam para obter uma côdea de pão?
4. Onde pára o sentido de responsabilidade de todos e de cada um pelo outro conhecido ou desconhecido, mas que é um nosso semelhante, com os mesmos problemas, as mesmas limitações, os mesmos condicionamentos? Evaporou-se. Apareceram conceitos novos. Ter, passou a ser mais importante do que Ser. Eu é sempre mais importante do que Nós.
5. Será o fim desta civilização? Talvez. Uns dizem que se deve à miscegenação proveniente da imigração. Eu não vou por aí. A história mostrou-nos que foi essa mesma capacidade de fazer mulatos que nos impôs, em toda a África, durante séculos.
Face às premissas apresentadas e a muitas outras que poderíamos continuar a descrever, alguma coisa tem que mudar e, muito rapidamente, se não acabamos com tanto sacrifício e tanta doação dos nossos avoengos para que fossemos todos cidadãos. Então não me parece que haja outra solução que não seja a de cada um, à medida das suas possibilidades, ir denunciando situações perversas, imorais e sem ética. Venham elas de onde vierem. Dos mais ilustres representantes da Nação ou de simples e anónimos cidadãos.
Usar do direito de cidadania e respeitar o dever que tal implica está na Ordem do Dia é preciso que cada um cumpra a sua parte.
Parece-me que é o que estou a fazer, de forma abstracta, mas voltarei com casos mais concretos, Reformas abstrusas, face oculta, freeport, submarinos e etc., etc., etc.





10 comentários:

  1. Grande verdade"Usar do direito de cidadania e respeitar o dever que tal implica está na Ordem do Dia é preciso que cada um cumpra a sua parte."´
    A dificuldade está no cumprimento individual da parte que cumpre a cada um.
    Fico à espera dos casos mais concretos.
    Abraço, Zé!

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  2. Muito obrigado Ibel pelas palavras simpáticas. Vamos, certamente, voltar com casos concretos. E que tal começarmos pelo Freeport, arquivado pelo Ministério Público, por falta de tempo dos investigadores para cumprirem o prazo ditado pelo PGR e agora o Despacho da PGR-Adjunta Cândida Almeida a dizer que, afinal, justifica-se reabrir o Processo?
    São estas incongruências da Justiça, a injustiça de castigar quem furta um pão para alimentar os filhos e desculpabilizar quem rouba milhões, para uso individual, que os coloca em paraísos fiscais e nós todos a pagar o aval do Estado a bancos falidos e outras coisas no género.
    Falaremos disto que, sendo delicado e até perigoso, não deixa de ser um dever de cidadania.
    Abraço
    Caldeira

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  3. Belo caso para tratar, Zé, a Freeport..A Cândida Almeida, minha colega do tempo de Coimbra e grande amiga, não é para brincadeiras.Veremos como vai ela ela lidar com este caso, mais um escândalo de bradar aos céus. Mas penso que andamos tão desacreditados de tudo e da justiça,que já não vislumbramos solução para esta violência moral que muitos políticos instauraram no país.

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  4. Ibel!
    Não conheço pessoalmente a Cândida, pelas posições que toma, considero-a uma pessoa de bem mas, como em todas as actividades, o tão propalado Sistema, tortura quem quer ser isento e profissional.
    Acredito que, mais cedo do que tarde, o MP vai ter de dar uma volta de 180º para se redimir e voltar a ganhar a confiança dos portugueses. Neste momento é o caos completo. E, se tivermos em conta que o MP é o advogado de defesa de todos os arguidos - inocentes ou culpados - a âncora da Justiça, muito terá que fazer para reganhar o prestígio perdido com este caso.
    Bjs.
    Caldeira

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  5. Ajudar, defender e manter os valores da Humanidade é um dos deveres que cabe a cada um, sem dúvida! Humanidade que somos todos nós.
    Mas coloca aqui dois termos que neste momento "chocam" (não deveriam) entre si: política e cidadania.
    Se o Homem antigo se satisfazia com as respostas dadas pelo mito, e o mito mandava agir de acordo com a lei divina, como é que hoje, nos nossos dias a lei constitucional parece ter menos "força", embora mais concreta, do que a lei de outros tempos!
    O Homem questionou, procurou saber e agora que sabe o que deveria ser "justo" aos olhos da lei, esta é constantemente desrespeitada, não cumprida, violável por quem acha que é "livre" (extremo do conceito!) e por quem se ache acima da lei...
    Se é da natureza humana buscar a vida em comunidade, há normas politicamente instituídas que cada um tem realmente o dever de cumprir, para o bem de todos.

    Zé, perdi-me nesta "conversa", certamente, mas com enorme prazer tomei este "cafezinho" :)
    Gosto quando também por aqui me "puxam" os neurónios!

    Bjs

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  6. Venho retribuir a gentileza da sua visita.
    Antes de tudo, como devo tratá-lo?
    Acompanho o blog do AC já há algum tempo e, de certa forma, sinto um pouco como se o conhecesse.
    Fui lendo os seus comentários, que, a meu ver, revelam grande sensatez e correcção, assim como um conhecimento profundo das coisas, sejam sentimentos ou factos. Um senhor muito sábio, certamente.
    Espero que não leve a mal estas minhas ilações. Faço-o com o maior respeito e consideração.
    Uma vez mais, obrigada pela visita ao meu espaço e, sobretudo, obrigada por me ter dado a conhecer o seu. Vou acompanhando.

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  7. JB
    Agradeço o seu comentário, sensato, lúcido e perspicaz. Nos dias que correm e a política que conhecemos e vivemos, não casam com cidadania. Mas a verdadeira Política é o sentido mais Nobre do Ser Humano, porque implica viver em Comunidade, no respeito pelas regras instituídas.
    Como, infelizmente, neste País se confunde muito, Política com Partidarismo, no seu sentido mais repugnante do termo, porque indicia aparelhismo, amiguismo, compadrios, corrupção, cunhas e obscurantismo, tem toda a razão quando afirma que "há quem se ache acima da Lei". E tem razão, mais uma vez, quando sabe e percepciona que há uma Lei para o pobre e o indefeso e outra, completamente diferente e até oposta, para o poderoso e que está na "mó de cima". Por isso é que o exercício da cidadania é tão importante nesta altura. O seu devido e correcto uso leva-nos a intervir para além do acto eleitoral. Intervir na Comunidade Local - respectivas Assembleias de Freguesia, Municipais, fazer reclamações quando somos menos respeitosamente atendidos nos locais públicos, etc. - todos os dias e em todas as frentes.
    Não sei se expressei com a clareza suficiente a minha concepção de "cidadania"? Mas para mim, hoje, mais do que nunca, Política deve casar com Cidadania.
    Bjs
    Caldeira

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  8. E.A. é um prazer vê-la por aqui. Agradeço-lhe a visita. Quanto ao tratamento, trate-me simplesmente por Zé Caldeira, porque a idade jamais pode ser barreira para que haja um tratamento afectuoso e ao mesmo tempo respeitoso.
    Não sou nada sábio. Não me endeuse, porque o não mereço, mas não quero que fique com dúvidas e, por isso deixo-lhe aqui algumas dicas: - Sabe que a idadde dá alguma experiência de vida e algum conhecimento. Para além disso fiz muitas coisas na vida e especificamente, fui Professor, formador de Professores, tenho um Mestrado em Ciências da Educação, com especialização em Didáctica das Ciências tirado na Faculdade de Ciências da Universidade Clássica de Lisboa. Mas não são as habilitações académicas que fazem de mim um homem, mais ou menos lúcido, são os Valores Éticos que me guiam.
    Mais uma vez obrigado por passar por aqui.
    Bjs.
    Caldeira

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  9. Bom, Zé, perante o que foi dito, creio que não há muito a acrescentar.
    Como gosto sempre de me prender a coisas positivas, destaco o teu sentido de ética, que, sei, tentas intransigentemente pôr em prática no dia a dia. E ainda bem, digo eu.

    Abraço amigo

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  10. Obrigado Agostinho pelas palavras amigas. É verdade que procuro, intransigentemente, viver com ética e moral. É uma forma de estar na vida.
    Abraço amigo
    caldeira

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