domingo, 12 de fevereiro de 2023

MULHERES DA FAMÍLIA

 


Já falámos alguma coisa da nossa avó, mas seria imperdoável não referir o papel das mulheres da nossa família de raiz, segunda geração. Nas considerações que iremos produzir apenas vão constar percepções pessoais que, se estiverem erradas, peço desde já desculpa às visadas.

Comecemos então pela mais velha, a Ti Joaquina. Foi uma mulher que desempenhou todos os papéis que são possíveis desempenhar numa família. Foi mãe, chefe de família, mãe e pai, decisora em última análise. Teve um marido excepcional como ser humano, o Ti Manuel Augusto era uma jóia de pessoa, mas quem ditava as leis naquela casa era ela, com o beneplácito do marido e sem qualquer acrimónia.

Por ordem cronológica e, apesar de não vir da mesma raiz fez parte integrante desta família, vem a minha mãe. Franzina, sempre muito doente, apesar de ter um marido que, para o exterior, ser um durão ela é que dava os dias santos lá em casa. Sempre se fez o que ela quis e a sua vontade prevaleceu sempre sobre a vontade do meu pai. Tenho vários episódios que demonstram isso mesmo, mas vou referir o mais significativo. O meu pai e o Ti Zé planearam ir para a França nos finais da década de quarenta, inícios da década de cinquenta do século passado. Iam a salto já se vê. Salazar não deixava ninguém emigrar legalmente. Ainda andaram por terras de Espanha próximo de Cidudad Rodrigo. Viram-se seguido pelos carabineiros e recearam as consequências. O Ti Zé foi o primeiro a dizer para regressarem a casa para evitar a prisão, que era inevitável se fossem apanhados. Falhada essa tentativa de emigração o Ti Zé vai para Angola no ano de 1952 e, lá chegado, escreveu ao irmão para ir ter com ele, sozinho, para preparar a ida da família no caso eu e a minha mãe. De referir que o Ti Zé nessa altura ainda era solteiro. A minha mãe foi peremptória: ou vamos todos ou não vai ninguém e não se vacilou um segundo. Decidiu-se que íamos todos e assim foi.

A Ti Victória, era Maria Cerdeira de seu nome, mas, para todos nós era a Ti Victória, fruto daqueles atropelos que já referimos quanto ao registo das crianças. Veio mais tarde, casou por procuração com o Ti Zé e quem a levou ao altar foi o Ti Chico. Era um doce, mas, enquanto jovem, muito agarrada ao dinheiro e o Ti Zé, também com ar de duro, sempre lhe confiou toda a gestão da casa. Tinha uma frase muito engraçada: uma vez que ela nunca trabalhou fora de casa dizia com orgulho o Zé ganha-o, mas eu poupo-o. Foi também uma boa mãe, boa esposa e tenho a certeza que fez o Ti Zé muito feliz, criou duas filhas extraordinárias, a quem amava incondicionalmente, até se começar a desenvolver a doença que a vitimou.

A Ti Isabel foi sempre a dona do pedaço. Muito amiga do Ti Chico a quem amava, mas mandona. Foi uma boa esposa e muito boa mãe. O Resultado é o Carlos que colheu o melhor dos dois progenitores. A bonomia do pai e a garra da mãe. Entrou na família para fazer parte integrante dela.

A Ti Elisa é aquela mulher de armas. Ainda hoje entre nós, com a bonita idade de quase 91 anos, sendo uma sofredora arranjou sempre forças para lutar e progredir na vida. Na vida profissional atingiu o cargo de 1º Oficial Administrativo da função pública, cargo a que muitos não almejavam, tenda apenas a quarta classe. Na sua carreira profissional teve lugares de muita relevância tanto na Administração como na Câmara Municipal e, com o seu prestígio, ajudou muita gente, a começar pela família, a iniciar carreiras. Nunca casou e, talvez por isso ou nem por isso, sempre se se dedicou aos outros. A Eugénia, viveu em casa dela até se casar. A Ana Bela foi, praticamente, criada por ela e o Luís, um pouco menos, mas também muito seu protegido. Isto não quer dizer que ela não goste dos outros sobrinhos, pelo contrário, mas foram as circunstâncias da vida que mais a aproximaram destes. Eu, tenho a presunção de que sou um dos seus preferidos. Aliás eu tenho a certeza de que tenho um lugar privilegiado no coração de todos os meus tios. Fui encolado por todos. Andei à carapela de todos e cada um deles. Devo-lhes muito e estou-lhes muito grato. A Ti Elisa ainda hoje é um exemplo para todos nós.

A Tia Alice não é filha de sangue, mas era filha de coração. Porque a infelicidade lhe bateu à porta demasiado cedo, perdeu os pais ainda na infância foi recebida na casa dos avós por volta dos 14 anos, se não estou em erro. Eu já me lembro. Tenho menos 6 anos que ela. Depois e, mais uma vez por circunstâncias da vida casou com o Ti Quim e os laços familiares estreitaram-se ainda mais. Constitui uma família onde, mais uma vez, ela é que dita as leis apesar da pose do Ti Quim. E dita bem porque cria a harmonia num lar que dura há mais de 65 anos. É também uma mulher de armas que conseguiu uma carreira sem preparação prévia, mas com denodo e entusiasmo. Sendo uma mulher independente sempre foi uma esposa, mãe de família.

A Ti Lurdes apareceu na nossa família de forma mais inopinada. Natural de Lisboa foram os caminhos insondáveis que a aproximou do Ti Tó. Foi a JOC o meio que os fez encontrar-se. Uma lutadora. Uma âncora para o Ti Tó. Um incentivo para ele mesmo quando tinha que tratar meses a fio dos três filhos sozinha, porque o tio vinha a Lisboa fazer exames para se licenciar. A força de bloqueio aos desvarios do Ti Tó que sempre foi e é um sonhador. Um homem excepcional de inteligência, sagacidade, mas demasiado utópico. E é nessa utopia que sobressai a vontade e a tenacidade da Ti Lurdes conseguindo o equilíbrio necessário a uma família feliz há 57 anos. Foi, porventura, a que teve mais dificuldades de integração na família, mas, mesmo assim, foi capaz de fazer da nossa a família dela.

Por fim a Tia Paulina. A mais alegre. A mais extrovertida. Aquela a quem a vida deu a maior bofetada, mas, ainda assim, uma guerreira que consegue encarar a vida da forma mais positiva que pode ter. Sempre foi um pilar para a sua família. Sempre foi uma esposa, mãe e avó extraordinária. A sua bonomia e acolhimento que dá aos outros é de uma generosidade fantástica. É mais uma das grandes mulheres da nossa família, como todas, afinal.

20/10/2020

Zé Rainho

 

 

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