CURIOSIDADES!
Numa pesquisa efectuada no livro
de registos de baptismo da paróquia de Nossa Senhora da Conceição da Meimoa
encontrei alguns dados que considero interessantes. Quero, por isso, partilhá-los
convosco.
No ano em que nasci (1943) nesta
aldeia remota raiana, em plena 2ª Guerra Mundial, nasceram, ao todo, cinquenta
e duas crianças, uma farturinha, graças a Deus.
Houve paridade quanto ao sexo, 26
rapazes e 26 raparigas. Dos cinquenta e dois sobrevivemos, apenas, quarenta na
primeira infância. Uma mortalidade infantil superior a 250 por cada mil, um
horror, uma calamidade, uma tragédia aos olhos de hoje - 2,4 crianças por mil
nascimentos em 2020 - segundo o INE e a PORDATA. Para os familiares dos que
morreram foi tudo isso na época, mas para a sociedade de então era normal. Não criava
nenhum sobressalto. Até porque era a vontade de Deus e isso era o bastante. Era
menos uma boca para dividir o quase nada que havia, o que também contava e muito.
Desta fornada, como é costume
dizer-se, estamos vivos 27, o que quer dizer que já morreram 13 na idade
adulta. Uns por acidente, outros por doença, mais ou menos prolongada.
Os que ainda cá estamos, todos
estamos velhos e com achaques, uns mais e outros menos, como é bom de ver, mas
não podemos deixar de nos considerarmos uns sobreviventes, uns lutadores e uns
sortudos, uns afortunados.
Muitos de nós vamos procurar
estar num convívio, no próximo dia 4 de Setembro, promovido pelo Manuel Fonseca,
que se desloca de França de propósito, para um último encontro com os seus
amigos de infância, segundo as suas próprias palavras. Queremos que seja uma
festança. Há quem se esteja a esforçar na organização para que assim seja.
Há várias curiosidades neste
grupo que talvez seja digno de menção. Já referimos a mortalidade infantil, mas
não ficamos por aqui. Temos que referir que também nasceu aqui e aqui foi
baptizada uma cigana de nome Maria Amélia Aires o que nos podia levar para o
campo da integração, contra o racismo e a xenofobia, mas basta referir o facto.
Agora vamos debruçar-nos sobre o
sucesso escolar.
Dos quarenta sobreviventes só
tiveram pleno aproveitamento escolar, na instrução primária, antiga 4ª classe, sete
crianças. Cinco raparigas e dois rapazes o que não invalida que os outros não
tivessem sucesso em todos os graus de ensino. Talvez por isso tenha sido
necessário haver a primeira classe mista da Meimoa no ano de 1954. Um
aproveitamento a rondar os 17,5%. Péssimo sinal dirão os meninos de hoje. Não
sejam apressados, se calhar foi um sucesso aceitável.
Naquele tempo era necessária uma
memorização extraordinária. Tudo era preciso decorar, desde a tabuada aos rios,
das serras às linhas de caminho de ferro, com respectivos ramais. Da História
de Portugal à Geografia, onde constavam os territórios ultramarinos, sem
esquecer a escrita sem erros ortográficos, sem falar no desenho à vista e nos
trabalhos manuais, só para dar alguns exemplos.
Não havia manuais escolares,
muito menos material didáctico. Alguns professores não tinham habilitação
própria e, pior que isso tudo, havia carência alimentar, carência de vestuário
e calçado, muita doença infantil e consequente absentismo e, para culminar
alguns não podiam ir à escola por falta de uma bata ou porque residiam a
quilómetros de distância da aldeia, em quintas isoladas, onde nem uma candeia
havia para fazer os trabalhos escolares, sem esquecermos que ninguém tinha água
canalizada, saneamento e até electricidade. Esta última veio em 1951, mas só a
metia em casa quem tivesse posses monetárias para tal e esses eram uma minoria.
Apesar disso tudo, todos os
sobreviventes, temos uma boa qualidade de vida, ainda que nos queixemos de
muita coisa, porventura com muita razão. A maior parte de nós, subindo na vida
a pulso, tornou-se especialista em alguma coisa. Desde o Direito à Educação, da
Construção à Aviação, da Banca ao Comércio passando pela função pública, para
além de muitas outras profissões.
Também temos que referir a
emancipação da mulher. Foram estas mulheres que começaram a usar a pílula para
controlar a natalidade que pretendiam ter. Foram estas mulheres que começaram a
usar mini-saia. Foram estas mulheres que escolheram serem independentes dos
maridos e por isso foram trabalhar fora de casa, para terem um salário que as
não tornasse dependente destes. Pelo menos três delas tiraram cursos superiores.
Presentemente poderão achar pouco, para aquele tempo foi um sucesso imenso.
Quando nasceram ainda foram educadas para serem boas mães e melhores donas de
casa, sem esquecerem que deveriam ser, igualmente, boas esposas.
Todos nós nascemos com ligações à
terra e a nossa expectativa, quando nascemos, era vir a ser agricultores e
criadores de gado. Nenhum de nós seguiu essas pisadas, para mal da aldeia, mas
para bem dos próprios.
A esmagadora maioria migrou, para
dentro ou para fora do país, por lá fez vida e muito poucos foram os que
regressaram ao torrão natal, ainda que cá venham sempre que podem.
Num tempo agreste, numa vida
duríssima para todos, se esta plêiade de pessoas e as outras com mais meia
dúzia ou menos meia dúzia de anos, não merece o respeito e a admiração e algum
carinho, quem merece neste país?
Para terminar desafio os meus
contemporâneos a contarem as curiosidades que conheçam.
Meimoa, 27/07/2021
Zé Rainho
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