terça-feira, 27 de julho de 2021

CURIOSIDADES!

 

CURIOSIDADES!

Numa pesquisa efectuada no livro de registos de baptismo da paróquia de Nossa Senhora da Conceição da Meimoa encontrei alguns dados que considero interessantes. Quero, por isso, partilhá-los convosco.

No ano em que nasci (1943) nesta aldeia remota raiana, em plena 2ª Guerra Mundial, nasceram, ao todo, cinquenta e duas crianças, uma farturinha, graças a Deus.

Houve paridade quanto ao sexo, 26 rapazes e 26 raparigas. Dos cinquenta e dois sobrevivemos, apenas, quarenta na primeira infância. Uma mortalidade infantil superior a 250 por cada mil, um horror, uma calamidade, uma tragédia aos olhos de hoje - 2,4 crianças por mil nascimentos em 2020 - segundo o INE e a PORDATA. Para os familiares dos que morreram foi tudo isso na época, mas para a sociedade de então era normal. Não criava nenhum sobressalto. Até porque era a vontade de Deus e isso era o bastante. Era menos uma boca para dividir o quase nada que havia, o que também contava e muito.

Desta fornada, como é costume dizer-se, estamos vivos 27, o que quer dizer que já morreram 13 na idade adulta. Uns por acidente, outros por doença, mais ou menos prolongada.

Os que ainda cá estamos, todos estamos velhos e com achaques, uns mais e outros menos, como é bom de ver, mas não podemos deixar de nos considerarmos uns sobreviventes, uns lutadores e uns sortudos, uns afortunados.

Muitos de nós vamos procurar estar num convívio, no próximo dia 4 de Setembro, promovido pelo Manuel Fonseca, que se desloca de França de propósito, para um último encontro com os seus amigos de infância, segundo as suas próprias palavras. Queremos que seja uma festança. Há quem se esteja a esforçar na organização para que assim seja.

Há várias curiosidades neste grupo que talvez seja digno de menção. Já referimos a mortalidade infantil, mas não ficamos por aqui. Temos que referir que também nasceu aqui e aqui foi baptizada uma cigana de nome Maria Amélia Aires o que nos podia levar para o campo da integração, contra o racismo e a xenofobia, mas basta referir o facto.

Agora vamos debruçar-nos sobre o sucesso escolar.

Dos quarenta sobreviventes só tiveram pleno aproveitamento escolar, na instrução primária, antiga 4ª classe, sete crianças. Cinco raparigas e dois rapazes o que não invalida que os outros não tivessem sucesso em todos os graus de ensino. Talvez por isso tenha sido necessário haver a primeira classe mista da Meimoa no ano de 1954. Um aproveitamento a rondar os 17,5%. Péssimo sinal dirão os meninos de hoje. Não sejam apressados, se calhar foi um sucesso aceitável.

Naquele tempo era necessária uma memorização extraordinária. Tudo era preciso decorar, desde a tabuada aos rios, das serras às linhas de caminho de ferro, com respectivos ramais. Da História de Portugal à Geografia, onde constavam os territórios ultramarinos, sem esquecer a escrita sem erros ortográficos, sem falar no desenho à vista e nos trabalhos manuais, só para dar alguns exemplos.

Não havia manuais escolares, muito menos material didáctico. Alguns professores não tinham habilitação própria e, pior que isso tudo, havia carência alimentar, carência de vestuário e calçado, muita doença infantil e consequente absentismo e, para culminar alguns não podiam ir à escola por falta de uma bata ou porque residiam a quilómetros de distância da aldeia, em quintas isoladas, onde nem uma candeia havia para fazer os trabalhos escolares, sem esquecermos que ninguém tinha água canalizada, saneamento e até electricidade. Esta última veio em 1951, mas só a metia em casa quem tivesse posses monetárias para tal e esses eram uma minoria.

Apesar disso tudo, todos os sobreviventes, temos uma boa qualidade de vida, ainda que nos queixemos de muita coisa, porventura com muita razão. A maior parte de nós, subindo na vida a pulso, tornou-se especialista em alguma coisa. Desde o Direito à Educação, da Construção à Aviação, da Banca ao Comércio passando pela função pública, para além de muitas outras profissões.

Também temos que referir a emancipação da mulher. Foram estas mulheres que começaram a usar a pílula para controlar a natalidade que pretendiam ter. Foram estas mulheres que começaram a usar mini-saia. Foram estas mulheres que escolheram serem independentes dos maridos e por isso foram trabalhar fora de casa, para terem um salário que as não tornasse dependente destes. Pelo menos três delas tiraram cursos superiores. Presentemente poderão achar pouco, para aquele tempo foi um sucesso imenso. Quando nasceram ainda foram educadas para serem boas mães e melhores donas de casa, sem esquecerem que deveriam ser, igualmente, boas esposas.

Todos nós nascemos com ligações à terra e a nossa expectativa, quando nascemos, era vir a ser agricultores e criadores de gado. Nenhum de nós seguiu essas pisadas, para mal da aldeia, mas para bem dos próprios.

A esmagadora maioria migrou, para dentro ou para fora do país, por lá fez vida e muito poucos foram os que regressaram ao torrão natal, ainda que cá venham sempre que podem.

Num tempo agreste, numa vida duríssima para todos, se esta plêiade de pessoas e as outras com mais meia dúzia ou menos meia dúzia de anos, não merece o respeito e a admiração e algum carinho, quem merece neste país?

Para terminar desafio os meus contemporâneos a contarem as curiosidades que conheçam.

Meimoa, 27/07/2021

Zé Rainho

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