segunda-feira, 13 de abril de 2020

REFLEXÃO


REFLEXÃO
Esta mania que os velhos têm de pensar, reflectir sobre as coisas e os acontecimentos tem que se lhe diga. O facto de terem tempo disponível ajuda a cultivar essa mania, quase vício. Mas tem os seus contras. É que, muitas vezes, com o seu pensamento, começam a dissertar sobre assuntos incómodos para os próprios e para os outros.
Como estamos incluídos nesta faixa etária e porque cultivamos muito esta arte de pensar – sim, pensar é uma arte que os mais jovens desconhecem ou minimizam – cá estamos a questionar-nos sobre estas coisas da vida, ou da morte, segundo o ponto de vista, que merecem a nossa reflexão.
Então vamos ao caso: - O que levará um nonagenário que passou por muito na vida trabalhou, que nem um escravo, na terra natal e no estrangeiro, que tem uma vida, sob o ponto de vista económico, bastante boa, a equacionar por termo à vida com as suas próprias mãos e, para agravar, no Domingo de Páscoa? Será desamor ou, pelo contrário, será uma imensa prova de amor, por não querer dar trabalho, incómodo, noites sem dormir?
O que levará um homem desta estirpe a socorrer-se de um modelo arcaico de por fim à vida – enforcamento – quando hoje é fácil o recurso a doses maciças de barbitúricos ou, em última análise, a um tiro na cabeça, sabendo, como se sabe, que são métodos mais indolores e mais expeditos, que não requerem todo um ritual de preparação antecipada, a corda, o nó corredio, o alçapão? Mais, o que levará um homem, desta idade, a preparar tudo em total e absoluta solidão, longe do olhar de todos, inclusive da sua mulher, sem ninguém dar por nada?
Que dor tão profunda sentirá no seu coração e no mais recôndito da sua alma? Sendo, como era, um homem sensível que se comovia com a dor alheia, que chorava sem rebuço quando se emocionava num funeral ou, mesmo uma cerimónia religiosa, que sofrimento atroz o atormentaria, para o conduzir a este desfecho sem dar alerta de que tal seria possível?
Sabíamos que andava doente há cerca de dois anos e que, com mais frequência do que seria desejar tinha que recorrer ao Hospital para desentupir canais biliares que, quando entupidos, lhe provocavam muitas dores, mas não era doença de matar, irreversível.
Custa-nos a crer que fosse só por causa da doença. Um homem robusto que já tinha passado por muito não se iria abaixo pela dor física. A dor que sentia teria, forçosamente, de ser muito lancinante para conduzir ao total desespero. Não conseguimos entender e temos uma imensa pena. Ninguém merece, ao fim de noventa anos de vida, ainda que muitos desses anos tenham sido muito sofridos, acabar desta forma.
A Igreja Católica, a religião que ele professava, não advoga nem aceita que se pratique a morte, própria ou de outrem e, este homem tinha plena consciência deste mandamento. Porquê, então?
Não encontrando explicação para o acontecido só peço a Deus, infinitamente misericordioso, que se apiede da sua alma.
Porventura não devia pensar sobre estes acontecimentos que me incomodam, que me fazem sofrer e pensar como pode ser ingrata a vida de um semelhante mas, que hei-de fazer? São coisas de velho.
Meimoa, 13 de Abril de 2020

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