sábado, 21 de outubro de 2023

Voluntarismo

 

VOLUNTARISMO!

Voluntarismo, pode dizer-se, que até pode ser uma ideia e uma forma bonita de olhar para os problemas, para as questões e achar que isso é o suficiente para congregar vontades, angariar recursos económicos e humanos, para que problemáticas sérias possam ser resolvidas e tudo acabar em bem.

Porém, a vida mostra-nos todos os dias, que de boas intenções está o inferno cheio e que os problemas só se resolvem se se diagnosticarem, com rigor e precisão, as causas e, a partir do diagnóstico avançar para a tarefa, quase sempre mais complicada do que parece, à primeira vista, no sentido de, com todos os intervenientes, se desenvolva um processo de resolução, que tem, necessariamente, de levar tempo, consumir recursos e alimentar vontades e esperanças para a mudança.

Tudo isto requer mais ponderação do que voluntarismo. Tudo isto necessita de análise, estratégia, planeamento, recursos, sempre na perspectiva interrogativa, o quê? como? para quê? com o quê? com quem? e para quem? entre outras variáveis. Porque quando não há estratégia nem planeamento a probabilidade de não se atingirem os objectivos previstos é exponencialmente maior e o fracasso adensar o problema em vez de o resolver.

Há anos, Sua Excelência o Senhor Presidente da República anunciou a sua missão de contribuir para a erradicação dos sem abrigo de Lisboa e do Porto até ao ano de 2023, se não me falha a memória. Temos consciência de que o Senhor Presidente não tem poder decisório nem competências executivas. Mas tem poder de influência e, se este não é suficiente, então não se comprometa, digo eu.

Estamos no final dessa meta e lemos, com muita preocupação e angústia, no jornal Expresso de hoje que, nos últimos quatro anos, a população sem abrigo aumentou 78% e atinge mais de dez mil pessoas. A mesma notícia dá conta do desespero das Instituições caritativas como a Vida e Paz e a Cáritas, entre outras, que todos os dias se vêem confrontadas com necessidades básicas para as quais já não têm respostas e, perante este drama, Sua Excelência remete para as condições de empobrecimento da população, para os malefícios da pandemia e para as crises internacionais e, com o mesmo voluntarismo, a erradicação desta chaga para finais de 2026.

Não sei se as causas referidas são as verdadeiras ou, sequer, se são as reais, mas sei que uma frustração acarreta e acrescenta sempre um problema ao problema. Sei também que quando não se produz riqueza o normal é distribuir-se miséria. Tenho a convicção que a existência de líderes e de governantes se justifica para antecipar soluções e não para constatar problemas.

Acrescenta-se uma péssima distribuição do produto nacional, uma vez que os ricos estão cada vez mais ridos e os pobres cada vez são mais numerosos e mais pobres e isto não me parece que tenha a ver com pandemias ou crises.

Enquanto isto se passa no terreno discute-se no Parlamento, durante uma semana, a redacção de um texto condenatório da violência no Médio Oriente. Uma semana! Seria necessário tanto tempo?

Enquanto isto se passa o Presidente do Parlamento e os Deputados do Chega entram numa discussão estéril, mais ao estilo de taberna do que de debate parlamentar, sem substância, sem conteúdo, apenas para tempo de antena de um e de outros. Será curial que tal aconteça?

Enquanto se avoluma o problema dos emigrantes que, legitimamente, procuram melhorar a sua condição de vida, que nos seus locais de origem não vêem como possível. Se reconhece a necessidade que o país tem de uma emigração jovem que possa desempenhar as tarefas que a população local, envelhecida, não consegue efectuar e não se cuida de recrutar, legalmente, essa emigração e se deixa entrar toda a gente sem controle e sem condições de sobrevivência nem se orienta para os locais onde há trabalho a fazer, onde há terras ao abandono, onde há casas devolutas, onde a integração seria possível porque dispersa e não acantonada, os responsáveis assobiam para o lado e esperam que tempo resolva as questões. O tempo, como a vida demonstra à saciedade, não cura nada, mas avoluma muito a dor.

Tenho para mim que este país, já há uns anos, que deixou de o ser e mais parece uma caricatura, mas se calhar, sou eu que sou um pessimista e um tolo que gosta de planeamento e de rigor de execução.

20/10/2023

Zé Rainho

   

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