segunda-feira, 2 de agosto de 2010

(Des) Organização

Max Weber - cientista alemão do século XIX e primeiras décadas do século XX - sem receio de errar, pode ser considerado o "pai" da Sociologia Moderna, porque defendeu a Ciência Sociológica Aplicada, às  diferentes sociedades. Dedicou muito da sua vida a estudar a teoria das Organizações e a dar pistas para que estas funcionassem em prol da humanidade. 
Por isso há quem, com alguma displicência, para não dizer com alguma malvadez, porque de forma deturpada e redutora, afirma, sem pudor, que é o Burocrata-Mor do Mundo Moderno. Como se a Burocracia fosse um mal em si mesma. Se aprofundarmos um pouquinho esta questão fácil será intuir que nenhuma sociedade moderna, organizada, vive sem burocracia. Claro que, por ser tão importante na organização social é por muitos aproveitada para, em sentido negativo, ser bode expiatório para muitos males e muitas demoras na resolução de problemas.
Vem isto a propósito de quê? É uma pergunta pertinente e legítima. E, como podem calcular, a resposta não é simples. Por isso, aceitando o repto da Ibel no Post anterior, vamos situarmo-nos em alguns factos concretos e que estão na berra: - O MP e as suas, aparentes, contradições, sobre o caso designado por freeport.
Deixem-me fazer um pequeno parêntesis para informar que é um dos locais que eu gosto de visitar na zona da Grande Lisboa e onde faço compras com frequência.
Feita a declaração de interesses importa voltar à questão. Se a Burocracia não é um mal, pelo contrário, então coloca-se a questão da gestão da mesma.
Primeiro é necessária e fundamental. Depois assenta em bases de funcionalidade e registo para não se cair no blá, blá, inconsequente. Porque "palavras leva-as o vento". Então, quando se fala que a burocracia foi inventada para infernizar a vida do cidadão, nada de mais falacioso. Foi, ao contrário, para defender os seus interesses e ser rápida e eficaz. Mas, como em tudo na vida, há sempre uns burocratas - mangas de alpaca - que se aproveitam de algumas exigências racionais e indispensáveis, para complicar todo o sistema ou sistemas.
Então o que é que terá acontecido para que o caso Freeport tenha causado tanta indignação popular e, até de especialistas?
De forma simples, mas não simplista, quero aqui deixar a minha modesta opinião.
Houve, desde os primeiros passos daquele projecto, algumas vicissitudes que inquinaram todo o processo. Desde logo porque a sua implantação se insere numa zona de Sapal, (ZPE) Zona Protegida Ecológica, onde existem espécies únicas e indispensáveis ao ecossistema aquático-terrestre. É uma zona de repouso e reabastecimento de muitas aves migratórias. Por essa razão a Comunidade Europeia deu um "puxão de orelhas" a Portugal quando ali construiu a Ponte Vasco da Gama e exigiu que houvesse algumas correcções que minimizassem o impacto ambiental, o que custou, a todos nós, uns largos milhões de Euros.
Depois porque antes do pedido de viabilização daquele empreendimento, o ICN (Instituto de Conservação da Natureza) de então, hoje ICNB (acrescentando-lhe a terminologia Biodiversidade), chumbou um projecto de construção de um cemitério que a Câmara Municipal de Alcochete queria construir, porque isso resultaria numa actividade populacional, incompatível com o santuário da fauna e flora locais, segundo parecer dos Técnicos. Por outro lado, o projecto do empreendimento do freeport, foi chumbado pelos Técnicos do ICN, duas vezes, antes de ser aprovado em período em que o Governo, na altura, já não tinha competências para tal, uma vez que se encontrava em regime exclusivo, de gestão administrativa, devido à dissolução da Assembleia da República, por demissão do Engenheiro António Guterres, antes de ter terminado o mandato. Daqui se pode induzir que a Burocracia não foi acautelada, pelo contrário, os decisores aproveitaram, algumas das suas vulnerabilidades, para tomarem decisões contrárias aos pareceres técnicos e, consequentemente, deu origem a, eventuais, atropelos à Lei, suporte fundamental da Burocracia e da Organização Social.
A partir daí foi toda uma Organização Investigativa e Policial que não funcionou, por falta de liderança e de vontade Política, para repor a Legalidade Democrática. É um Juízo de Valor pessoal, mas plausível e legítimo.
Hoje, passados seis anos, vem à tona um conjunto complexo de omissões, de obstaculazição da Justiça e mesmo uma desorganização total que funcionou a favor de quem prevaricou e torpedeou a Lei e a Burocracia. Eventuais crimes prescreveram. Possíveis indícios passaram de prazo e foram mesmo apagados para que não se apurasse a verdade dos factos. Isto tudo é assumido por Investigadores e Magistrados.
Agora que, aparentemente, e só aparentemente, estamos no fim do processo é que os "burocratas" no sentido mais redutor do termo, vêm com mais argumentos para que o Zé Povinho especule, fique na dúvida, desconfie e ponha em causa um dos pilares fundamentais da Democracia, a Justiça. Porquê? Porque a Burocracia no sentido nobre do termo não funcionou, por inoperância dos agentes, abusos de poder e por falta, nítida, de liderança. Logo, ajudando a denegrir uma componente essencial da Sociologia Moderna que é a Burocracia de que nos falava Max Weber.
Apesar do processo não se encontrar em segredo de justiça, não o conheço suficientemente para sobre ele me pronunciar. Mas não será difícil prever que, se o Juiz que vai julgar os arguidos constituídos - até porque os mesmos pediram a abertura do processo judicial e, consequente, este não pode parar aqui - quiser, tudo pode voltar ao princípio. Tem de ir a Tribunal para que este se pronuncie e, este simples facto, pode trazer à tona conhecimento de um conjunto de irregularidades que, não tendo consequências, estou convicto disso, pode trazer esclarecimentos que, até agora, têm estado numa nublosa, útil, a quem prevaricou.
Para terminar importa apenas dizer: ser contra a Burocracia autêntica é pactuar com o facilitismo que permite aos "chicos espertos", os maiores crimes que, nem sequer, nos passam pela cabeça, tal a diversidade de expedientes de que os criminosos de "colarinho branco" são conhecedores.


11 comentários:

  1. Oi,Zé...

    Vim retribuir sua gentil visita ao Desassossego e fiquei agradavelmente surpresa com seu empenho em discutir ética , justiça, dignidade, enfim valores maiores de pessoas e sociedade.

    Devo confessar que desconheço o fato que motivou o texto, mas não há como ignorar seu veemente discurso em prol da integridade e da justiça.

    Portanto, parabéns. Em um mundo tão abusado, é maravilhoso que tenhamos arautos do que precisa ser preservado e do que precisa se mudado.

    beijo.

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  2. Olá Gizelda
    Gostei muito do seu Desassossego, pelo conteúdo e pelo título. Não é que a gente vive em constante desassossego?
    Obrigado pelas palavras simpáticas sobre o que escrevi. Este é um caso que se arrasta há anos mas que está na Ordem do Dia pois, a falta de transparência, deixa a todos os Seres sérios e honestos com a sensação de algo que não está certo.
    Beijo
    Caldeira

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  3. Em primeiro lugar, fico satisfeita por ter contribuído com o meu pedido para este texto de opinião em que se verifica que o autor não brinca em serviço.Vê-se que está muito bem informado e dentro dos assuntos.Ignorava muitos dos detalhes de que fala e, pela primeira vez, repensei o meu conceito sobre as exigências burocráticas.Realmente, sem elas,"os criminosos de colarinho branco" seriam cada vez mais espertos e chicos. Mas será que não se vão"safar" na mesma? Oxalá não.
    Abraço.
    Ibel

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  4. Ibel
    Estou tão descrente na Justiça que acho que o chicos se vão safar. Entendo que o conceito de Burocracia tem sido, propositadamente, depreciado e adulterado, com propósitos nem sempre confessáveis.
    Abraço
    Caldeira

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  5. Zé,
    Fico sempre "submersa" na informação, lúcida, perspicaz, que consegue transmitir nos seus textos. Se há pormenores que se desconheciam, ao lê-lo fica tudo em "pratos limpos", e perdoe-me a ligeireza desta expressão!
    Só acrescentaria um pormenor nesta desorganização burocrática. É que agora temos de lhe juntar a burocracia computarizada! Já não sei se melhor se pior, pois tudo chega para se fazer a qualquer hora do dia (e da noite!). Acredito, tal como referiu, ser útil, esta também, mas há um incontrolável uso e abuso que nos deixa cada vez mais agarrados à exigência do "para já". Se calhar surgiu também com esse objectivo, maior rapidez... Não sei, porque também já ouvimos dizer "o sistema avariou, ou está a carregar!" Voltamos à falta de organização, de bom senso...

    E é como se ficasse por aqui a tomar um cafezinho e a deliciar-me com esta vertente tão real da vida humana.

    Um grande abraço.
    Bjs

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  6. JB
    Bem-Haja pelas palavras simpáticas. Pois é verdade, agora temos a vertente informática e a culpa é sempre do sistema que foi abaixo, já reparou? É um SIMPLEX que mais parece um COMPLEX.
    É verdade que as máquinas avariam e que há dificuldades em todos os procedimentos mas, muitas vezes, isso apenas serve de desculpa para a incompetência e ineficácia dos utilizadores que não estão para maçadas. Nos nossos computadores, quando temos problemas, procuramos resolvê-los aos prestadores de serviços é muito mais fácil dizer que: "agora não há disponibilidade, tente mais tarde".
    Bjs
    Caldeira

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  7. Pois é SIMPLEX que parece nada ter simplificado para nós, simplificou para eles, aqueles de colarinho branco. Uma coisa sei, tudo o que eles quiserem conseguem e não há lei que os trave. As interpretações são feitas consoante a conveniência e, em última hipotese muda-se a lei. Dizem que o processo casa pia conseguiu essa proeza. Que dizer mais? Que vivemos num país sem rei nem roque? Quem não sabe disso? Quem não sabe usa vendas e por causa dessas malditas vendas andamos nós a pagar. Abraço

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  8. É verdade o que diz Brown Eyes. Colocou o de do na ferida. Utiliza-se a Lei quando convém ou, em último caso, muda-se a Lei para o cime compensar.
    O grande drama deste País é que toda a gente vota. Dir-se-á que é democrático. Talvez! Porém há votos esclarecidos e votos arregimentados, muitas vezes, por um prato de lentilhas.
    Abraço
    Caldeira

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  9. Quando disse "cime" queria dizer Crime.
    Abraço
    Caldeira

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  10. Zé, fartei-me de estudar o Max Weber quando fiz
    Gestão Escolar e Gestão Educacional...
    e tal como o Zé, estou , neste momento, num patamar de total descrença na Justiça Port.
    porca miséria! salvam-se raríssimas excepções!
    beijo

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  11. Pois é Zé enquanto houver gente que se vende é impossível construir justamente um país, derruba-se. A cunha neste país é obrigatória, as pessoas vêem-na com normalidade e utilizam-na para tudo, até na saúde. Por mais que tente não consigo aceitar estas normalidades. Com o crime acontece o mesmo, desde que não sejas tu nem eu porque, se formos, caem-nos em cima violentamente querendo fazer justiça.

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