sábado, 21 de agosto de 2010

Intimidades (cinco)!!!???

Continuação...
Na crónica anterior - pretensão ao chamar crónica a uma singela descrição - falámos de algumas actividades económicas e de uns tantos povos - etnias - esquecemos-nos de mencionar os cuanhamas que são os habitantes do Sul de Angola e estão em contacto com o Zimbabué, dos Bailundos do Leste que faz fronteira com a Zâmbia e, porventura, haverá muitos outros que não me recordo ou desconheço.
Daremos um pequeno salto até ao dia 3 de Fevereiro de 1961 quando nos despedimos de alguns amigos e nos dirigimos cada um para sua casa, já a noite ia alta. Durante anos nunca demos grande importância à efusividade do abraço daquela despedida. Só mais tarde associei que fora uma despedida da vida. É que esses que se despediram tinham aderido, sigilosamente, a Movimentos de Libertação e nós não sabíamos desse pormenor. No dia 4 de Fevereiro, de madrugada já tinham ocupado a Reclusão (cadeia civil e militar) para libertar presos políticos mas também de delito comum, atacado a 7ª Esquadra da PSP que ficava na Estrada de Catete matando sete agentes e furtando muitas armas.
O Dia 4 foi, depois, uma catástrofe. Rapidamente se formaram grupos do tipo milícia, sem ordem e sem regras. Sem comando nem ordem muitas mortes inocentes houve. A Casa da reclusão ficava junto ao Porto de Mar e para se chegar à parte alta da cidade e aos musseques da estrada do Cacuaco era necessário calcorrear grandes escarpas de terra vermelha (as barrocas) e, muitas pessoas eram apanhadas como coelhos saídos da toca.
É um dia que me esforço por esquecer. Ainda que, em abono da verdade, tenha que dizer que tive outros igualmente tristes e marcantes.
Os dias e os primeiros três meses que se seguiram foram de uma tristeza e inquietude alucinante. Eram os boatos próprios de uma guerra que começara, era a chacina de homens mulheres e crianças, brancos e pretos, quer nos musseques ou nas fazendas do interior, com canhangulos (armas gentílicas de carregar pela boca) ou à catanada que mostrava o terror da barbárie existente. 
Esta visão, para nós sempre foi uma incógnita que não nos deixava de martelar o pensamento questionando, porquê? 
É que sempre me habituara a um convívio e a uma mistura de raças que me recusava a compreender este ódio. Como poderia haver tais paradoxos. O Português foi o único colonizador que fez mulatos. O mesmo é dizer que a miscegenação foi sempre uma grande virtude desta forma de colonizar. O amor ultrapassava as barreiras da cor e era vulgar encontrar brancos casados com pretas e a inversa é igualmente verdadeira, ainda que em menor percentagem. Então porquê este ódio aparente retratado nos casos conhecidos?
Anos mais tarde com o Estudo e as conversas fomos descobrindo o que, efectivamente aconteceu. A História há-de, um dia, demonstrar esta realidade.
Eram conhecidos dois Movimentos, ditos, de Libertação: a UPA (União dos Povos de Angola) e o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola). O primeiro chefiado por um estrangeiro Holden Roberto, um negro casado com uma branca e, por acaso ou não, era cunhado do Presidente da República Popular do Congo, Mobutu. Entrava em Angola pela Foz do Zaire e com intoxicação informativa e muita bebida, convencia os negros angolanos que deviam matar os brancos portugueses porque depois ficariam com todos os seus bens, casas, carros, camiões e máquinas. Até teriam o direito de ficar com as suas mulheres. Durante mais ou menos um ano esta táctica deu os seus resultados e os massacres, sendo esporádicos, eram de uma crueldade e de violência inaudita. O MPLA tinha como seu chefe o médico Agostinho Neto e seu adjunto Lúcio Lara, que viviam no exílio e faziam, através da rádio Brazaville, a sua catequização para a luta armada. Não se lhe conheciam à época, massacres. Este Movimento de Libertação aglutinava os intelectuais todos ou quase todos formados em Portugal e depois com estágios em Moscovo na União Soviética, de quem recebia apoio logístico, armas e técnicas de terrorismo.
Foi nesta altura que, numa espécie de grito de guerra, que ficou célebre em Portugal, proferido por Salazar: -"para Angola rapidamente e em força". Se foi dito, assim foi feito, e foram mobilizados muitos militares, alguns já na disponibilidade que, mal armados, desconhecedores do terreno, das populações e das condições climáticas embarcaram em direcção a Luanda onde foram recebidos como heróis nacionais.
À distância de cerca de 45 anos vemos, com um certo olhar crítico, como era caricato o espectáculo do desfile pela Marginal. Vestidos com um fardamento de caqui castanho, com tamanhos inadequados, para a maioria dos soldados que fazia deles quase uns "palhaços" tal a figura ridícula com que apareceram.
Mandaram-nos para o mato e para assegurar a ordem nas fazendas e Vilas do Interior. Com a ajuda dos Nord Atlas da Força Aérea e alguns Helicópteros Puma e as disenções dentro dos Movimentos de Libertação tudo acalmou e a guerra passou a ser uma recordação. Muitos apoiantes da UPA e do MPLA deixaram de o ser e fundaram um novo Movimento a que chamaram UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola) chefiada por Jonas Savimbi. Um intelectual que tinha o seu apoio na zona Sul e Leste de Angola, do seu vizinho Zâmbia e dos Estados Unidos da América. Pelo meio houve uns mercenários Sul Africanos e Rodesianos mas sem expressão e sem muitas consequências, pelo menos em dimensão.
A partir daqui foi o desenvolvimento efectivo e em grande escala.
Continua...

5 comentários:

  1. Zé,

    Há um selo (desafio) no meu blogue à sua espera.

    Beijinhos

    ResponderEliminar
  2. Zé,

    Neste episódio assumo que vi um filme de guerra, mas consciente de toda a verdade que aqui apresenta, embora tão distante de eu sequer imaginar esses massacres, essa dor!
    Meu pai esteve em Angola e tem fotografias desse tempo... por vezes ao contar certas coisas, que nem consigo repetir, ficava com os olhos cheios de lágrimas!

    Sei que me repito, Zé, mas é extraordinário ao pormenor que consegue relatar os acontecimentos, conseguindo fazer-me "visualizar" toda essa "bagagem" tão viva, tão humanamente refinada e armazenada na sua memória!
    Entendo que partes haverá que preferia, se calhar, não lhes remexer, porque é (ou foi,ou será) sempre difícil recordá-las.
    Sinto-me privilegiada por ter a oportunidade de fazer parte desta partilha!

    E... fico à espera da continuação, que promete!!!

    Muitos beijinhos

    ResponderEliminar
  3. Eis chegada a parte da mudança radical, a parte que mexeu com a vida de milhares e milhares de pessoas.
    O teu relato é um belo testemunho, mas não vou banalizar os adjectivos, pois tu não precisas disso. Interessa, isso sim, que mantenhas a tua verticalidade, o rigor, o amor à verdade. E disso não tenho qualquer dúvida.
    Sente-se que ainda tens muito que contar, que ainda terás que mexer nalgumas feridas que, porventura, ainda não cicatrizaram completamente. Mas todos nós sabemos que darás, cabalmente, conta do recado.
    Vamos a isso, que convicção não te falta!

    Um grande abraço

    ResponderEliminar
  4. JB, se o seu pai esteve em Angola, dependendo do ano e da localidade, certamente poderá complementar eventuais omissões da minha parte.
    Uma coisa é necessária e que tenciono abordar, é a heroicidade dos nossos militares que tão ostracizados foram, durante anos, pelos cobardes que fugiram ao seu dever patriótico, conotando-os como apoiantes do antigo Regime. Essa cobardia sem nome só pode vir de "gentinha" menor. Que foi para a guerra fê-lo por determinação política e dever patriótico pelo que é injurioso qualquer epíteto de colaborador do regime.
    O Prof. Doutor António Barreto fez a justiça de neste ano em 10 de Junho homenagear os antigos combatentes. Falta o reconhecimento de todo o Povo Português.
    Vamos continuar e aprofundaremos esta questão.
    Beijinhos
    Caldeira

    ResponderEliminar
  5. Agostinho,
    Vamos continuar. Obrigado pela confiança. Vamos ser o mais rigorosos que a memória nos permitir. Não queremos emitir juízos de valor. Todas as coisas tem o seu tempo e como dizia Ortega e Gasset "o Homem é o homem e a sua circunstãncia". Vou tentar que esta não atrapalhe a verticalidade do Homem.
    Grande abraço amigo.
    Caldeira

    ResponderEliminar