domingo, 22 de agosto de 2010

Intimidades (seis)!!!???

Continuação ...
Estávamos em finais de 1961 e com a guerrilha paralisada ou, pelo menos, neutralizada, havia que fazer um esforço de desenvolvimento do território, para minimizar os ataques dos, ditos, países não alinhados, que tinham entrado para a ONU e, nesta, faziam questão de se aliar á União Soviética, França, China, Inglaterra e Estados Unidos, para nas Assembleias Gerais, manterem na Ordem do Dia o ataque diplomático a Portugal, por ser o único país que ainda possuía territórios ultramarinos.
Uma hipocrisia sem tamanho. As Nações Unidas têm demonstrado, ao longos dos seus 60 anos de existência que não passa de um grupo de pressão que voga ao sabor dos ventos e das circunstâncias. Defende interesses obscuros e aloja gente que só se preocupa com o seu bem-estar. Não há regra sem excepção, mas esta confirma a regra. Damos alguns exemplos: Comissários pedófilos. Roubo de ajuda humanitária. Silêncio quanto a guerras injustificadas. As Maldivas continuarem a ser colónias de Inglaterra, bem como Gibraltar e não vale a pena continuar. É suficiente para elucidar.
Sabia-se que a Diplomacia era adversa ao nosso País e era preciso fazer alguma coisa. E fez-se. Em três anos ligaram-se todas as sedes de Distrito por estradas asfaltadas. Construíram-se escolas que, aproveitando a reforma educativa encetada, em Portugal, por Veiga Simão, se deu a possibilidade de massificação do ensino a todos, independentemente da raça. Investiu-se fortemente na formação de Quadros Superiores de todas as Raças. Criaram-se Universidades. Apostou-se, fortemente, nas Escolas do Magistério, Industriais, Comerciais para formar gente capaz de gerar, rapidamente, mais valias em recursos humanos. Investiu-se em infra-estruturas como Saneamento Básico de todas as Cidades e Vilas  e levou-se o abastecimento de água às zonas mais remotas e aos musseques mais intrincados.
Os militares, agora com formação adequada, tropas especiais: Comandos, Rangers, Paraquedistas, Cavalaria com os seus Tanques, Transmissões e demais Comunicações ultra-modernas, contribuíram para, rapidamente confinar os conflitos, que eram esporádicos e quase irrelevantes. Muitos militares formados por incorporações locais, com pretos e brancos à mistura, numa Escola de Aplicação Militar de Nova Lisboa, hoje Huambo, que formava sargentos milicianos. Havia, também, uma Escola de Oficiais e Sargentos Comandos, em Luanda e  um grupo Especial de Militares pretos, designados por "flechas" que era uma guarda avançada nos Pontos mais críticos.
Muitos dos nossos militares não regressaram depois das Comissões porque arranjaram emprego e constituíram famílias por lá. Estes deram-se conta de que poderiam ter uma vida melhor do que a deixaram no mundo rural em Portugal. Outros aprenderam coisas novas e experimentaram novos horizontes que trouxe a Portugal Continental outra Luz e outras cores. Deixou de ser tão cinzento, este rectângulo, que viveu durante anos sob o desígnio do "orgulhosamente sós".
A Guerra Colonial não se pode resumir a Angola e, por isso, há especialistas que estão a estudar o fenómeno. Mas se esta se tivesse restringido a Angola e não houvesse intervenção e interesses estrangeiros posso afirmar, sem receio de errar, que o desfecho não teria sido "a descolonização exemplar" e, hoje haveria lugar para uma Angola próspera, democrática, que, no contexto Internacional, poderia ombrear com um Brasil e outras economias emergentes. Assim ficámos nós mais pobres e deixámos um povo a um destino cruel, de violência, miséria, crime organizado, corrupção e tudo aquilo que torna um Povo infeliz.
Quanto aos retornados, como acintosamente apelidaram aqueles que trabalharam, investiram enganados, e deixaram toda uma vida para trás, sem apoio de ninguém, abandonados à sua sorte e iniciativa foram, como demonstram vários estudos sociológicos a lufada de ar fresco que transformou este País.
Mas voltemos atrás: 1962, até 1973 o desenvolvimento de Angola foi tão expressivo que até as Nações Unidas se viram obrigadas a não continuar a interferir na vida de Portugal e dos Portugueses. Fizeram uma espécie de tréguas, em boa verdade devido às capacidades diplomáticas de Franco Nogueira.
Nós já com 18 anos também via com apreensão a ida para a tropa. Sendo filho único os pais incutiam maiores receios. Mas nós sempre vivemos a nossa vida com alegria e com despreocupação. Os bailaricos, as festas de amigos, privadas, e outras mais públicas, eram o nosso tónico para revigorar do trabalho e do estudo, ambos intensos, mas muito gratificantes.
Adquirimos uma Moto de 250 cm3 que já necessitava de carta de condução e, obviamente, tirámos essa carta que nos habilitava a conduzi-la. Nela já podíamos transportar um amigo como pendura, quer fosse rapaz ou rapariga. Importa aqui abrir um parêntesis para dizer que as moças nascidas e/ou criadas em Luanda eram desinibidas, tinham algumas liberdades e usavam-nas sem rebuço. A mini-saia, moda feminina era sempre generosa, deixando antever belezas femininas excitantes. Por sua vez as roupas claras, finas e quase transparentes deixavam perceber seios túrgidos que não necessitavam de soutien. Por sua vez os rapazes com calças à boca de sino, cabelos compridos à Beatles, eram companhias agradáveis para estas meninas família. Então rapazes de bom porte e com estabilidade na vida, com Educação e Valores eram bem aceites no seio das famílias.
Estes aspectos permitiam grande divertimento sem abusos, de certa forma ingénuo, mas nem por isso menos atractivo e menos glorioso. Satisfaziam plenamente uma vida de Juventude saudável, responsável, bonita, por dentro e por fora, com as excepções que há em todas as sociedades e com todo o Ser Humano. Na nossa Moto levámos muitas vezes meninas muito bonitas e perdoe-se-nos a presunção com algumas ideias de que as coisas evoluiriam para algo mais sério. Nós, pela nossa parte, queríamos apenas viver a nossa amizade e fazermos as nossas brincadeiras próprias da idade. Aos 19 anos, quase 20, viemos de Graciosa (Férias prolongadas de 6 meses) a Portugal. Sozinho, com um ordenado mensal de 2.500$00 que eram uma pequena fortuna, quando comparado com aquilo que recebia, por exemplo, um Professor Primário, no Continente. Menos de 1.000$00 por mês o que nos permitiu fazer aqui umas férias de verdadeira borga e luxo, mas sobretudo, de nos enamorarmos de uma rapariga muito tímida, discreta mas, ao mesmo tempo, muito bonita, inteligente, digna e recatada.
Foi o cabo dos trabalhos para a conquistar porque, para ela, não passávamos de um D. Juan que só se queria divertir, em tempo de férias, com uma rapariga simples e honrada. Mas o nosso amor foi tão grande e tão persistente e as intenções eram tão sérias que a convenceram de que era muito diferente da ideia pré-concebida que tinha a nosso respeito e isso permitiu alcançar o objectivo. Começámos a namorar. E não é que passados 47 anos, ainda hoje fazemos os mesmo que nos uniu quando tínhamos 20 anos. Casámos com 23 anos, ainda estávamos na vida militar. Tivemos e temos duas filhas maravilhosas que são os nossos olhos e a nossa alegria. Fazemos 44 anos de casados. Ela foi e é a única mulher da minha vida. O mesmo acontece com ela. E não se pense que algum dos dois tivesse falta de pretendentes. Fomos apenas e só feitos um para o outro. Com os obstáculos naturais de uma vida a dois mas, sobressaltos sempre ultrapassados e encarados como mais uma vitória que se ultrapassava.
Isto agora, parece uma salganhada que começa com um ano de guerrilha e acaba com uma declaração de amor adulto, fecundo e que começou ainda numa altura que os jovens eram considerados imaturos. Parece que connosco isso não aconteceu. Sempre soubemos de certeza, absoluta, aquilo que queríamos quando nos começámos amar, loucamente.
Continua...

4 comentários:

  1. Caro Amigo, estimado Colega,
    Li os episódios todos, um testemunho eloquente de quem os sentiu, viu, ouviu, na primeira pessoa, porque estava lá. E ainda permanecem bem frescos na sua memória, partilhando-os assim connosco, procurando e conseguindo fazer História, um objectivo bem alcançado.
    Vivi um mês de férias, em Luanda, Agosto/Setembro de 1973, em casa dos meus sogros, e um dos seus textos deu-me oportunidade para recordar nomes de locais que se me tornaram familiares e agradáveis.
    Como nas novelas, espero com ansiedade o episódio que há-de vir.
    Bem haja!
    Nota: O salário do jovem Professor Primário, dito "agregado", em 1962, era de 1.600 escudos ilíquidos, sendo abonado de 1.492$40, desde 1 de Outubro a 14 de Julho de cada ano lectivo. Realmente, um pouco acima de 1000 escudos mensais, feita a média...
    Se "efectivo", passava para 1.750$00, agora recebidos por 12 meses, podendo subir de categoria (1ª., 2ª. e 3ª. diuturnidades) ao fim de 10, 20 e 30 anos de bom e efectivo serviço!!!
    Outros tempos!

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  2. Essa faceta não te conhecia eu, a andar numa 250 de cabelos compridos ao vento! E esta, hein?! :))
    E que dizer dum "menino" aparecido como por encanto numa aldeia do interior, com os bolsos cheios de grana? Belos tempos, sim senhor!! :)
    Olha, Zé, só espero que continues a escrever com este ritmo, pois a vontade de continuar a ler é imensa.

    Um grande abraço

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  3. Meu caro amigo e colega Serrano,
    Em primeiro lugar os meus agradecimentos pelas palavras de incentivo e por ter gostado do que leu. Depois o meu pedido de desculpa pela imprecisão do vencimento do professor. Francamento não tinha na memória os valores exactos que apontou. Nessa altura eu ainda não era professor.
    Quando o amigo esteve em Luanda aquilo já era uma grande cidade. Angola tinha sofrido um enorme desenvolvimento e Luanda, em particular, já era uma grande cidade, ainda que, com a mesma beleza natural, mas muito maior e mais populosa. Apesar de não haver censos os dados administrativos apontavam para cerca de milhão e meio de habitantes.
    Obrigado por passar por aqui.
    Um grande abraço amigo
    Caldeira

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  4. Meu caro Agostinho,
    Sabes que estes espaços são mais do que meros confidentes. São autênticos confessionários onde nos expomos com toda a sinceridade e autenticidade. Já me conhecias bem. Ficas a conhecer-me melhor através destes relatos.
    Muito obrigado pelo teu incentivo a continuar a desbobinar memórias.
    Um grande abraço amigo.
    Caldeira

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