terça-feira, 24 de agosto de 2010

Intimidades (sete) !!!???

Continuação...
Desenvolvido mais um capítulo daquilo que o amigo e colega Serrano apelidou de novela, voltemos ao fio condutor.
Regressámos a Luanda em 11 de Outubro de 1963, com o coração apertado por deixar para trás o meu primeiro e único amor. Fomos de Navio e parámos, como habitualmente, na Madeira. Desta vez fui de bote até ao Funchal. Não recordo nada daquela cidade, naquele dia. Dá impressão que não via nada do que me rodeava. Sentia, apenas, o cheiro intenso das flores e o artesanato. Comprei uma prenda que embalei e mandei, pelo correio, uma prenda para a minha namorada. Depois enfiei-me num cinema e vi uma matiné. Não perguntem qual o filme não o recordo, nem tenho a certeza de que tenha visto alguma cena. O pensamento tinha ficado no Continente, não conseguia ouvir ou ver coisa alguma. Acabada a fita percorremos umas centenas de metros, a pé, absortos na minha saudade e, sem me dar conta, estava junto do ancoradouro onde estava um indivíduo a vender violas. Comprei uma que me agradou. Sabia tocar pouco, mas as serenatas que tinha feito à minha amada, tinha como instrumentos uma viola e um banjo. Assim, fiquei com a sensação de ter um elo de ligação que era o alfa e ómega da minha existência naquela altura.
Regressei no primeiro bote que saiu para fazer a ligação ao navio. Fechei-me no camarote e dedilhei uns acordes de acompanhamento de um dos fados de Coimbra que cantávamos no adro da Igreja que ficava mesmo ao lado da casa do meu amor.
Viajava em 1ª Classe e tinha um camarote só para mim, podia dar-me a estes luxos porque não incomodava ninguém.
À chegada a Luanda no dia 21 de Outubro desci as escadas e fui ter com os meus pais, alguns familiares e amigos. Levava na bagagem uns mimos para todos. passámos pelos verificadores alfandegários sem nenhum problema e isso permitiu que se matassem saudades de umas uvas que, inexplicavelmente, chegaram impecáveis, de uns cálices de aguardente caseira e foi uma festa lá em casa. Só eu estava sorumbático o que não passou despercebido aos olhares paternos. Ficando sós, logo veio a pergunta: o que se passa filho? Tu não és o mesmo que saiu daqui há sete meses. Com algumas reticências lá contei do enamoramento. Os meus pais conheciam os pais da moça e gostaram da ideia. Precisamente ao contrário do que tinha acontecido com o pai dela quando lhe fui, responsavelmente, pedir a mão.
Nós os dois tínhamos apostado no nosso enlace e as reticências daquele que foi meu sogro, não abalou, nem um pouco, a nossa decisão que já tinha sido acordada entre nós e até o mês e ano de casamento tínhamos planeado.
Nunca mais fomos o mesmo rapaz alegre e divertido. Vivia mergulhado na saudade que procurava colmatar com a escrita diária de cartas de amor que enviava para a Metrópole. Apesar disso continuámos com a nossa vida onde a solidariedade não era apenas uma palavra. Arranjávamos sempre um tempinho para em conjunto com amigo(a)s visitar os doentes nos hospitais públicos. Continuámos a trabalhar na JOC, afincadamente. Reforcei as amizades masculinas e femininas, principalmente estas, que me ajudaram a suportar as saudades. De tudo dava conta à minha noiva.
Congeminei uma forma de voltar o mais rapidamente para o Continente. Fiz uma prova de admissão como voluntário para especialista da Força Aérea. Fiquei aprovado e isso permitia-me voltar para fazer o curso de cerca de uma ano na OTA. Planeava comprar uma moto mais potente, 750 cm3, para poder fazer deslocações fáceis e rápidas nos fins de semana e folga. Ironia do destino. A data normal de de incorporação no exército era em Agosto do ano seguinte. Ao contrário, na Força Aérea, era em Julho. Fiz planos para que se concretizasse esse meu sonho. Desilusão pura. Em Abril recebemos guia de marcha para nos apresentarmos na Escola de Aplicação Militar de Nova Lisboa no dia 11 de Maio de 1964.
Entretanto tínhamos perdido o medo da guerra, porque esta não tinha expressão e morria-se mais de acidente do que balas. Mas revoltou-me o facto de ter de ingressar no Exército. Mas o que tem de ser tem muita força e, não houve remédio se não acatar.
Importa aqui e agora dizer com frontalidade e com justiça, salvaguardando sempre as excepções que confirmam a regra, a guerra em Angola foi sempre feita pelos praças e pelos milicianos (sargentos e oficiais), furriéis e alferes. Outra peça importante, os Capitães do Quadro Permanente que, por força das circunstância tinham que existir para comandar companhias. Estes, oriundos da Academia Militar, já eram mais maduros e com idades na ordem dos 30 anos ou mais, com família constituída. É que as promoções obedeciam a regras muitos transparentes e apertadas. Os Sargentos eram militares com mais ou menos 20 anos de serviço já que, não tendo habilitações académicas, eram promovidos segundo os anos de serviço e as comissões aos teatros de guerra. Para estes, a quem estava quase sempre destinada a parte administrativa das respectivas companhias a guerra de Angola foi uma mina. Não corriam riscos porque ficavan na sede dos Regimentos ou dos Batalhões, em vilas e cidades que estavam completamente pacificadas. Em contrapartida, ganhavam muito mais do que no Continente o que fez com que se dissesse, com alguma propriedade, que cada comissão no ultramar correspondia à aquisição de um apartamento em Lisboa, Porto ou noutras cidades do país. Não se pode dizer que tudo foi mau e nem sequer o foi para toda a gente. Também houve beneficiários líquidos e algumas recompensas. Apesar disso é justo aqui realçar que todos os combatentes, independentemente da sua graduação, merecem do Povo Português o respeito e a homenagem que o seu esforço e a sua dedicação patriótica, lhe granjearam. Se o Professor Doutor António Barreto, Comissário Nacional para as Comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, teve a coragem de redimir estes patriotas no passado dia 1 de Junho de 2010, é preciso que a restante população reconheça o respeito devido a todos aqueles que combateram pela pátria, independentemente de concordaram ou não com a guerra colonial. Todos se limitaram a cumprir um dever que lhe fora imposto, aliás como aconteceu em guerras anteriores da nossa história, e sempre em cumprimento de ordens de politicas vigentes. Os desertores e muitos cobardes é que não podem merecer tal distinção. Fugiram às suas responsabilidades maiores e, em regra, eram meninos de papá, sem dificuldades e sem ideologia, que conseguiam passaporte para outros países, coisa que não estava ao alcance do comum dos mancebos. Não vale a pena referir nomes mas, pelo menos os nossos contemporâneos, conhecem-nos a dedo.
O mesmo é devido aos emigrantes que na década de sessenta rumaram, a salto - clandestinamente - para a França, Alemanha e outros Países do Norte e que, com as suas remessas (poupanças) faziam com que o Escudo fosse uma moeda forte e confiante, para os mercados bancários internacionais.
Passados quatro meses de recruta com preparação militar de guerra fomos, aliás como ia na guia de marcha, encaminhados para a Unidade a que estávamos destinados - o Batalhão de Transmissões nº 361, em Luanda, para complementarmos o curso com a aprendizagem de linguagem Morse e Cripto, indispensáveis às comunicações secretas. Terminado o curso veio a promoção e a sorte (esta dá muito trabalho) de ficar sempre no Batalhão e não ter necessidade de ir para o teatro de operações, já que fora dos melhores classificados do curso e, a estes, estava reservado o trabalho de bastidores e não de operacionais.
Pode-se dizer que, exceptuando o tempo de recruta nunca dei nem ouvi um tiro. Andava de noite pelos locais mais recônditos, frequentava a LAA, ia a festas farras e nunca vi nenhum acto de menos cordialidade fosse de quem fosse.
Passámos um tempo de tropa que se pode dizer de luxo. Ia de manhã para o quartel em jeep militar que me ia buscar a casa, organizava o serviço diário, ia a despacho com o Comandante da Companhia e depois ia à Messe comer uma sandes e beber umas cervejas. À hora de almoço voltava o condutor a deixar-me em casa e, como na altura já tinha tirado a carta de Ligeiros e pesados Profissional, comprei um carro. Um Vauxaul de seis cilindros que comia 20 litros aos cem. Mas andava que era uma maravilha e a gasolina a dois escudos o litro não era problema. Todas as tardes lá íamos os mais amigo(a)s para a Praia da Restinga na Ilha de Luanda. Passávamos a tarde e lanchávamos na Barrucuda, restaurante muito conceituado onde com uns camarões e umas cervejas encerrávamos a tarde, já noite, pois anoitecia às seis horas da tarde. Os dias e noites, naquelas paragens tinham duração igual (12 horas cada).
Apesar das mordomias nunca gostei da vida militar e não me revia naquele estatuto. Estava desejoso que passassem os cerca de quatro anos para passar à disponibilidade, apesar de ganhar bem, 4.650$00 mensais e de ter toda a liberdade de acção.
Contudo não estava no meu espírito ser militar de carreira apesar de ter sido aliciado para tal. É que nunca gostei de fardas nem de armas. Tinha fobia a estes acessórios. Mas enquanto lá estive cumpri sempre com as minhas obrigações e assumi integralmente as minhas responsabilidades. Aquele Batalhão era uma autêntica família, onde as patentes não tinham qualquer importância e toda a gente se tratava pelo nome próprio. Ainda hoje nos encontramos, uma vez por ano, com as nossas mulheres, para desfrutar um dia de saudade e de amizade. Encontrámo-nos sempre cerca de trezentas pessoas, do soldado raso ao Tenente General - posto máximo da hieraquia - e confraternizamos e lembrarmos os que a vida já levou. Não por motivos de guerra, ninguém morreu na guerra, mas por doença, acidentes e velhice.
Continua...

3 comentários:

  1. Sim senhor, um perfeito oficial e cavalheiro, mas que se não coíbe de pôr os nomes aos bois...
    Será que é no Intimidades (oito) que o cavaleiro vai resgatar a donzela? :)
    Boa inspiração é o que te desejo, amigo.

    Um forte abraço

    ResponderEliminar
  2. Agostinho,
    Oficial não. Cavalheiro sim. Desde sempre. Fui habituado a respeitar muito as senhoras e as meninas e tudo deves lembrar-te disso. Porque quando andámos no Magistério sempre cuidei com muito respeito e carinho as nossas colegas. Jovenzinhas com quem brincava dentro dos limites da decência e da consideração.
    Um grande abraço
    Caldeira

    ResponderEliminar
  3. Zé,
    Quando andámos no Magistério éramos todos uns miúdos ao pé de ti, pois éramos bastante mais novos. As circunstâncias em que apareceste ali, já com filhos, com certeza que ainda as hás-de descrever neste espaço.
    A tua postura foi sempre irrepreensível, tanto ao nível das aprendizagens como no convívio com os colegas. Bons tempos!

    Abraço

    ResponderEliminar