quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Intimidades(nove)!!!???

Continuação...
Estivemos no Continente cerca de sete meses. Viajámos pela Europa até à Alemanha, passando pelo Luxemburgo, Bélgica, França, Andorra e, claro, Espanha. Lisboa foi outro dos nossos poisos, depois de termos visitados alguns recantos, até então desconhecidos, como o Minho, Trás-os-Montes, Algarve. A Meimoa foi outra paragem prolongada.
Entretanto a minha mulher fora colocada e teve necessidade de regressar, rapidamente, a Luanda. Foi de avião com as duas filhas e um primo que nos pediu para ir tentar a sua sorte em Angola. Nós fomos de Barco para podermos levar connosco o carro novo que tínhamos adquirido, por importação directa, com entrega em Lisboa, um Ford Capri, amarelo.
Chegámos a Luanda em 28 de Janeiro de 1974. Continuámos com a nossa vida de funcionário público, mas sempre atento às movimentações e prenúncios políticos. No Continente tinham-nos chamado a atenção algumas palavras de ordem escritas em penhascos do género "nem mais um soldado para o Ultramar". Com franqueza não demos importância. Tínhamos tido conhecimento da revolta do quartel de Beja, do desvio do Navio Santa Maria, da actividade política do Humberto Delgado mas sempre acreditámos numa independência de Angola, tranquila, pacífica e multirracial. Aliás todas as Forças em presença assim o preconizavam.
Deu-se o Golpe da Caldas em Março que, à semelhança dos anteriores, tinha falhado. Fizemos parte de um grupo organizado que, face aos últimos acontecimentos na Metrópole entendeu, qual grito do Ipiranga, apoiar o General Deslandes, Governador Geral, para que este tomasse as rédeas de um Governo Angolano para todos os Angolanos e com a participação dos três Movimentos de Libertação. Estivemos no Espaço onde reunia o Conselho Legislativo no largo Quinaxixe para apoiar esta decisão. Atitude gorada pois o Governador não apareceu, como se esperava, e foi recambiado de urgência para a Metrópole. A PIDE entrou em grande actividade.
Dá-se o 25 de Abril de 1974 e toda a gente informada ficou feliz. Sabia-se ser inevitável a revolta dos Capitães por questões, mais corporativas, do que políticas. É que com os problemas graves da Guiné e as incursões dos restantes territórios ultramarinos, obrigava a um reforço de homens para os quais não havia comando. As possibilidades de promoção eram cada vez menores, pois os generais da altura, era gente nova que no início do "terrorismo" em 1961 alcançou o posto máximo da hierarquia e aos mais novos estava vedada a promoção por falta de vagas. As Academias cada vez tinham menos candidatos e o Governo legislou no sentido de permitir que Alferes e Tenentes  Milicianos, com um curso intensivo de um ano, atingissem o posto de capitão. É evidente que quem se esforça não gosta de se ver ultrapassado e o mau- estar neste grupo de Oficiais capitães era visível.
A liberdade conquistada e alegremente festejada foi dando origem a uma certa libertinagem e alguma inssureição de militares negros e brancos, mais daqueles do que destes.
O General Silvino Silvério Marques na altura Governador Geral e membro da Junta de Salvação Nacional lá ia conseguindo manter a ordem e a paz, ainda que de forma periclitante. As palavras de Spínola e reiteradas de Costa Gomes eram, de certa forma, de confiança. Mas, sem que nada o fizesse prever o Governador foi substituído depois do acordo de Alvor, pelo almirante Rosa Coutinho. Começa aqui o descalabro. A protecção ao MPLA e a discriminação relativamente à UNITA e à FNLA fazia com diariamente corressem boatos e mesmo confrontos entre grupos rivais. Entretanto começa-se a sentir um ódio candente pelo branco, que se procura armar e resistir aliás, como tinha acontecido em 1961. Mas os militares, por ordem ou com a conivência, daquele que foi apelidado de Almirante Vermelho, desarmaram os brancos e distribuíram armas a muitos negros. A situação começou a tornar-se difícil.
Em 14 de Agosto de 1975 mandámos a mulher para Lisboa para concorrer ao lugar de professora agregada na Metrópole. Veio, lavada em lágrimas, porque só conseguimos uma passagem, de um dia para outro, e por grande amizade de um agente de viagens. As filhas, a avó, uma tia avó e duas primas vieram logo a 26 de Agosto. Mas, por sorte, ficou colocada na Meimoa terra da naturalidade onde estavam os pais e irmãos. Um começo mais ou menos auspicioso.
Por indicação de uma amiga que trabalhava no Fundo Cambial depositámos todas as economias em nome do nosso pai que com 55 anos, uma saúde débil e dois apartartamentos em Lisboa, fez uma declaração de regresso definitivo à Metrópole e isso permitia que trouxesse todo o seu espólio que, na altura, eram 750 contos. O pai veio de barco para a metrópole e esperámos que a burocracia decidisse enviar a importância descrita que, com o ordenado da minha mulher e as rendas dos apartamentos dariam para encetar nova vida.
Nós, o nosso cunhado, primos e tios, ficámos a ver como as coisas corriam. Em Outubro a minha mãe parte uma perna o que me obriga a vir a Portugal de emergência e com uma licença especial. Chegámos e apresentámo-nos no então Ministério do Ultramar que nos remeteu para uma Junta Médica para podermos permanecer três meses em Portugal. Assim aconteceu.
As notícias que íamos conhecendo eram desastrosas. Começaram a chegar contentores e muita gente que foi designada por retornados com um sentido depreciativo e até com alguma intolerância, até por parte de familiares.
Fomos de novo à Junta Médica que renovou o período e, entretanto foi criado o Quadro Geral de Adidos que integrava os funcionários públicos em serviços ou, na falta de vagas, ficava a receber o vencimento base, deduzindo 1/6. Em Agosto de 1975 começámos a receber 6.400$00 mensais o que dava para viver e iniciar vida. Tivemos que fazer um tratamento nas Termas da Curia e colocámos, a mulher e as filhas na Praia de Mira. Um primo, professor no Tortosendo, incentivou-nos a ir para o Magistério do Fundão.
Sem grande convicção nesse mesmo ano ano fizemos a aptidão ao Magistério de Castelo Branco, tendo sido aprovado. Pedimos adiamento de matrícula. É que entretanto tinha chegado a primeira tranche da transferência, pedida em nome do meu pai, ao BPA, no valor de 115 contos, que se repetiria, na informação recebida, por mais cinco meses.
Propusemo-nos a construir uma residência para a família. Sendo filho único uma casa para os pais e a nossa própria família. 
Envidámos alguns esforços para ser colocados nalgum ministério, nomeadamente, das Obras públicas, sem êxito.
Os meses passaram e nova ida ás Termas e nova assentada na Praia de Mira com o já referido primo que continuou a insistir na ideia de que deveria ir para o Magistério do Fundão.
Em Julho de 1975 já toda a família tinha vindo de Angola e cada um esgravatava para iniciar nova vida e todos iam conseguindo.
Ponderada a perspectiva de entrada na Escola do Magistério do Fundão resolvemos, na expectativa de, ao abrigo da Lei dos Conjuges não nos separarmos da família, tirar o Curso do Magistério Primário.
Continua...  

3 comentários:

  1. Este deve ter sido o momento mais agitado e angustiante da tua vida. Compreendo perfeitamente que não contes muitos pormenores do que aconteceu, na época, em Angola, mas muitos episódios, decerto, estarão gravados na tua memória. Quase que arrisco ao dizer que chegariam para dois ou três livros.
    A vida tem destas coisas...

    Abraço

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  2. Tens razão Agostinho. Este relato passou, como gato por brasas, por cima dos acontecimentos. Daria para escrever pelo menos um bom livro. Foram momentos difíceis mas também com alguns laivos gratificantes. Eu não me queixo da vida. Apesar do que vivi e do que senti na pele: a discriminação, a desconfiança e outros sentimentos menos mobres, não guardo mágoas nem rancores.
    Uma confissão só para ti: no Magistério uma colega nossa e nossa amiga - perdoa não dizer o nome - chegou a dizer-me na cara "tu és um gajo porreiro mas és retornado és reacionário". E eu sorri. Pensei para mim: a vida vai-se encarregar de te ensinar muitas coisas e estou convencido que ensinou e ela hoje é uma pessoa diferente para muito melhor.
    Um grande abraço
    Caldeira

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  3. Tens razão Agostinho. Este relato passou, como gato por brasas, por cima dos acontecimentos. Daria para escrever pelo menos um bom livro. Foram momentos difíceis mas também com alguns laivos gratificantes. Eu não me queixo da vida. Apesar do que vivi e do que senti na pele: a discriminação, a desconfiança e outros sentimentos menos mobres, não guardo mágoas nem rancores.
    Uma confissão só para ti: no Magistério uma colega nossa e nossa amiga - perdoa não dizer o nome - chegou a dizer-me na cara "tu és um gajo porreiro mas és retornado és reaccionário". E eu sorri. Pensei para mim: a vida vai-se encarregar de te ensinar muitas coisas e estou convencido que ensinou e ela hoje é uma pessoa diferente para muito melhor.
    Um grande abraço
    Caldeira

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