terça-feira, 14 de janeiro de 2020

Estórias de vidas 6


A escola, apesar de ser considerada retrógrada pelos intelectuais da época, tinha virtudes e defeitos como todas as organizações sociais.

Na circunstância, esta escola de aldeia teve professores que, pela entrega e denodo, profissionalismo e espírito de missão, conseguiu fazer de crianças filhas de analfabetos, na sua esmagadora maioria, alunos dedicados e ávidos de conhecer, de saber, de conquistar outras formas de vida.

Nesta aldeia e no final da década de quarenta e início da década de cinquenta do século vinte pode dizer-se, sem qualquer tipo de snobismo ou desprimor para as restantes gerações, anteriores ou posteriores, que conseguiu uma verdadeira geração de ouro.

Nunca antes tinha havido uma plêiade de gente que tanto tenha conquistado na vida.

Vamos por partes.

Como já se referiu, uma aldeia do interior profundo, de um Portugal cinzento e pouco dado a inovações, a maior parte das pessoas nasceu, cresceu e morreu sem ter visto outros horizontes que distassem mais de vinte ou trinta quilómetros. Consequentemente a vida dos pais era imitada pelos filhos e já vinha de avós, bisavós e tetravós.

No caso desta geração nascida entre finais da década de trinta e início da década de quarenta tudo foi diferente.

Muitas raparigas começaram a estudar fizeram-se professoras, na maioria dos casos, ainda que também houvesse juristas, escriturárias nos correios, nos registos civis e outros serviços públicos ou empresariais.

Já os rapazes fruto também da discriminação de género que era acentuadíssima na época, conquistaram espaços nas mais diversas actividades profissionais.

Desde logo a ascensão ao posto de General do Exército Português um dos rapazes desta freguesia é desse tempo e está vivo.

Médicos distintos. Juristas de gabarito que se distinguiram nas barras dos tribunais quer como juízes quer como advogados.

Eminentes sacerdotes exercendo os mais diversos papéis, incluindo os de missionários da América Latina e África. Professores de todos os graus de ensino, incluindo o superior.

Mecânicos de diversas tipologias incluindo a da aeronáutica civil como é o caso da Air France.

Trabalhadores dos diferentes serviços públicos desde os de mais baixa condição até ao topo das carreiras de técnicos superiores.

Pilotos da Força Aérea. Militares de diferentes patentes que defenderam a pátria nos mais diferentes teatros de operações.

Imigrantes que se tornaram empresários de sucesso no domínio da construção civil, hotelaria e restauração e muitos outros sectores. Poucos, muito poucos, foram aqueles que seguiram as pisadas dos pais e ficaram na aldeia.

Foi uma sangria para a localidade mas foi uma mobilidade social fantástica para os seus filhos.

O Rainho fez parte desta geração e, também ele, como muito esforço pessoal, atingiu o segundo grau académico mais elevado, existente no país, mestrado e pós graduação, diploma tirado numa das mais conceituadas e exigentes universidades públicas do país. A Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

A aldeia está mais pobre, de gente, de jovens, de crianças, mas os avós de hoje estão muito melhor na vida que os seus bisavôs.

Quando se diz que não há condições para progredir na vida pessoal e profissional porque não se dão condições aos jovens, talvez seja bom repensar esta posição. Pois as condições de hoje, de acesso à formação, à cultura, às novas tecnologias são a antítese daqueles tempos.

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