terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Estórias de vidas 1


Capítulo 1

O filho dos artífices, o Zé vinha de uma família tradicional com as características inerentes e, apesar de não serem proprietários de grandes courelas, tinham algo de seu e casa própria para viver o que, em bom rigor, era uma imensa vantagem, por não ter de pagar renda, numa época em que o dinheiro era muito escasso e pouco circulava.
Os pais eram monárquicos de pensamento, mais por influência da amiga Ana Preta, viúva rica, poderosa e muito respeitada na aldeia, do que por convicção política ou conhecimentos que pudessem influir na opção. Eram monárquicos, como poderiam ser outra coisa qualquer, mas havia uma certa predilecção pelo Rei, pela Rainha e pelos Príncipes, já que mais não fosse, pelo respeito pela hierarquia. Sim, porque o respeito era sagrado naquela casa e naquele agregado familiar. Um respeito muito próximo da religião que professavam – a católica – já se vê, onde a ordem não se discute, acata-se.
Aqui toda a família puxa para o mesmo lado na procura do bem comum e na harmonia familiar. Mesmo o Zé, sendo o mais habilitado academicamente, não deixava de estar atento aos ensinamentos dos seus maiores, quer quanto às tradições, quer relativamente aos ofícios, quer à opção política monárquica que vinha de seus pais.
Era uma família que preservava a cultura popular e tradicional, desde as cantigas às récitas em que participava amiudamente. Conhecia todas as cantigas antigas, quase sempre relacionadas com a vida quotidiana ou com, hipotéticos, factos impressionantes e muito sentimentais. Nos seus momentos de lazer, que eram poucos, dedicavam-se ao teatro e às cantigas.
O Zé sempre pautou a sua vida por um esforço de aprendizagem e aperfeiçoamento da arte de pedreiro e, ainda muito jovem, já aplicava, ainda que empiricamente, o teorema de Pitágoras, para a implantação de uma nova habitação, casa de campo ou palheiro, que lhe fosse encomendado. E trabalho era coisa que não faltava pois as famílias eram sempre numerosas e com necessidades de habitações, mesmo pobres, mas que albergassem todo o agregado familiar.
Chegada a idade, na época parecia haver idade para tudo, casou com uma mulher trabalhadora, a Teresa, que além de cuidar da horta se esforçava por manter a casa limpa a roupa asseada e os filhos acarinhados.
O Zé nas suas empreitadas trabalhava de sol a sol mas, no sábado à noite, lá vinha com o dinheiro da semana para casa. De salientar que, na época, estamos a falar dos primeiros anos do século passado, ainda antes da implantação da República, dinheiro corrente era coisa rara. As transacções por serviços ou mercadorias era, em regra, em géneros, pelo que haver dinheiro corrente era uma mais-valia para qualquer família.
Começam a nascer os filhos sendo os dois primeiros rapazes, a seguir duas raparigas, mais dois rapazes e a última era uma rapariga. Sete filhos era um padrão generalizado havendo quem tivesse muitos mais e também que tivesse menos, já se vê.
Era uma família alegre que vivia em harmonia e, mesmo quando o Zé tomava uns copos a mais, ao contrário do que era comum, não havia zaragatas havia cantorias. Vozes bonitas, dolentes, e canções apropriadas a que se juntavam até os tios, primos e avós. Era, realmente, uma casa onde a alegria perdurou até aos cinquenta anos da Teresa altura em que partiu uma perna e, por falta de assistência médica – médicos era coisa que não havia – nunca mais recuperou nem saiu da cama até que faleceu passados dois anos.
A vida nunca mais foi a mesma e o Zé, apesar de contar com a ajuda das filhas mais velhas para a gestão da casa, nunca mais teve alegria e assim como candeia que esgota o azeite, também ele se deixou morrer aos bocadinhos e, com apenas sessenta e três anos de idade finou-se de vez, tendo nessa altura três filhos casados e um solteirão – por já ter passado a idade normal de casar – e os restantes três fizeram-se à vida e foram constituindo as suas próprias famílias logo que atingiram a idade considerada adulta.
Desta família nasceu uma das protagonistas desta história que viria a ser a mãe daquele a quem apelidámos de Zinho. Falamos da Rainha, única filha que recebeu o apelida da mãe. Todos os outros irmãos receberam o apelido do pai.

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